sábado, 31 de dezembro de 2011

Educação: Questões de Metodologia 4

                                                A adopção de uma estratégia clara

Se a educação tem a ver com o essencial das nossas vidas, se nas experiências que o viver nos proporciona ficamos a saber que recebemos tudo e, por isso, devemos tudo, e só quando damos tudo atingimos a meta que é o verbo amar, se a bibliografia acaba de nos revelar tantas e tão diversas vertentes do caminho a seguir, impõe-se agora, antes de entrarmos propriamente no tema, definir a estratégia  que nos permita, no fim do caminho, chegar à meta. Qual a  estratégia para atingirmos a verdadeira meta da educação?

Comecemos pela clarificação da linguagem.
Estratégia, em grego stratós, -oũ, “exército” + ágō, “conduzir”, designava a função atribuída ao estratego ou Chefe Militar de Atenas (Pretor ou Cônsul de Roma) na “condução do exército”, obviamente para alcançar um determinado objectivo  (defesa, ataque, vitória, conquista).
Aproximando-nos do tema educação, encontramos uma palavra de estrutura paralela: pedagogia, em grego pais, -dos, “criança” + ágō, ”conduzir”, que significava a função atribuída ao pedagogo ou escravo encarregado de conduzir a criança no caminho entre a casa e a escola.
Acontece que, remontando da etimologia grega às matrizes indo-europeias, o substantivo grego pais, -dos (como o latim puer, -ri, donde recebemos em português, puérpera, puerícia, puericultura, etc.), procede da raiz *IE Pu-, “rebento de vida”, e o verbo grego ágō procede da raiz *IE Ag-, “empurrar, impelir, levar tudo pela frente”, referindo-se às coisas (as crianças também eram, de algum modo, assim consideradas).
Por outro lado e remontando também à sua matriz indo-europeia, verificamos que educação procede da raiz *IE Deuk-, Duk-, que envolve o sentido geral de  “conduzir, guiar, liderar, ir à frente de todos”, falando dos seres humanos.

Assim, em rigor, impõe-se distinguir entre os sentidos de * IE  Ag-,  e * IE Deuk-, Duk-, entre “ levar tudo pela frente” e “andar à frente de todos”, entre “empurrar” e “conduzir”, entre “estratégia” e “liderança”. A estratégia refere-se à mobilização das coisas (meios, recursos, instrumentos), enquanto a liderança tem a ver com a condução das pessoas.
Mas já na linguagem dos gregos, a partir do deslizamento de sentido da raiz indo-europeia *IE Ag-, “empurrar” para o verbo grego + ágō,  “conduzir”, as duas funções aparecem ligadas e complementares.
Com efeito, considerava-se que o Estratego da antiga Atenas, após definir bem o seu objectivo militar, empurra o exército, como máquina monstruosa integrada por todos os meios de que dispõe contra o inimigo, caminhando à frente  dos seus homens. Por outras palavras, o mesmo General mobiliza (empurra) todos os meios logísticos e comanda (conduz) as suas tropas, arrasta as coisas e dá exemplo aos homens.
Neste sentido, também hoje, ao definirmos educar como “rentabilizar todas as coisas enquanto condições para que todos os seres humanos cresçam em todas as dimensões até à sua plena realização nos valores”, consideramos que se trata de pôr em movimento tudo e todos, as coisas e as pessoas, todas as coisas ao serviço das pessoas e todas as pessoas a crescerem para os Valores.
Pois é aqui, ao nível dos Valores axiais que temos encontrado – Viver, Saber  e Amar – mais concretamente no âmbito da sua sequência e hierarquia, que podemos descobrir a meta da educação e definir com rigor a estratégia adequada para lá chegar.
Verificamos que educar não visa apenas e menos sobretudo, ao nível do viver ou sobreviver nos campos da produção e gestão económico-financeira, rentabilizar o que recebemos e legal ou ilegalmente adquirimos  para satisfazer as necessidades e gostos de ordem material, para enriquecer e/ou ganhar estatuto social.
Educar também não visa apenas e menos sobretudo, ao nível do saber nos planos do subsistema escolar, da investigação científica ou da promoção cultural, procurar que os seres humanos cresçam no conhecimento, para angariar maiores recursos, compreender os mecanismos da existência pessoal e colectiva, descobrir e  interpretar racionalmente os segredos da existência, da vida e do universo.
Com efeito, para além desses dois patamares, educar é também e sobretudo avançar até ao nível do amar, nos planos ético (dignidade, verdade, liberdade), religioso (tomar consciência do nosso lugar no Universo) e místico (sentir o eu dentro do nós dentro do Todo, que para nós é Mistério).

Deste modo, tendo em conta que em todos os sistemas de Valores de todos os campos do nosso viver, a regra de transações estabelece ser próprio de quem recebe saber que deve dar, de quem se recebe saber que deve dar-se, de quem se recebe todo saber que deve dar-se todo, e que estes movimentos recíprocos constituem a diástole e a sístole do verbo amar, podemos constatar que a verdadeira estratégia do processo educativo será aquela que tudo mobiliza, coordena, dispõe e orienta, para atingir a meta final.
E a verdadeira meta final da educação
                                                               nem é viver melhor
                                                               nem é saber mais,
                                                               mas amar sem limites.     

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Educação: Questões de Metodologia 3

                               O recurso a uma bibliografia aberta

Numa investigação, assume importância a bibliografia consultada.
Tratando-se de pesquisa sobre a Educação e porque ela, de algum modo, atinge todos os campos da existência, impõe-se recorrer a uma bibliografia aberta, que acolha todos os autores (da raiz indo-europeia *IE Aug-, “aumentar”) revestidos de autoridade para augurar, auxiliar, aumentar a nossa capacidade de abordagem, aprofundamento e compreensão do tema.
Mais concretamente, importa recorrer:
            -a todos os que escreveram sobre educação e, como escritores, nos legaram as suas obras;
- mas também a todos aqueles que, nada tendo escrito (por ex. Sócrates e Jesus), souberam falar (da raiz *IE Bha-, que envolve sentidos de luz e de falar) e assim se transformaram em epifanias de luz nos caminhos da vida, como os pais para os filhos e os pedagogos para os alunos, ou se tornaram profissionais da palavra, desde  os  professores aos profetas;
- e ainda a todos aqueles que, nesta função de educar, acabaram por se revelar os mais ou os maiores (lat. magis), a merecerem o nome de mestres (lat. magister);
- e, finalmente, a todos aqueles que, sofrendo de afasia ou incapacidade de falar, acabaram apenas mugindo (da raiz onomatopaica mu- “fechamento dos lábios”, da qual, através do latim mutus, recebemos a palavra mudo e, através do grego múō, “fechar os olhos ou a boca”, recebemos as palavras místico e mistério).

Constitui certamente uma surpresa podermos verificar, nesta amálgama de situações, que a cada nível de maior dificuldade de expressão, parece corresponder um nível de maior aprofundamento do tema.
Ensaiemos a abordagem dos diferentes tipos de autores, pela ordem crescente de aprofundamento sobre o que é educação: professores, educadores, artistas, mestres, profetas e místicos.

A.      Os Professores.

São comummente aceites como os principais actores e autores da educação, enquanto:
profissionais de saber falar, nas aulas das instituições de ensino, sobre as diversas matérias de aprendizagem dos alunos;
- cientistas, pela razão de terem sido formados nas instituições de ensino superior, de acordo com os métodos científicos adequados;
- especialistas, por serem considerados portadores de espírito científico e de competência pedagógica nas respectivas áreas.
Trata-se de uma situação totalmente positiva que importa manter e incentivar.

Mas, por outro lado, há que prestar a máxima atenção às transformações que, na ciência ainda marcada pela progressiva fragmentação em compartimentos estanques e pela pulverização desses compartimentos numa infinidade de especializações, vêm sendo
 - reclamadas por comentadores esclarecidos:

  “os nossos problemas são, cada vez mais, do foro global e admitem apenas soluções globais”, “os homens ergueram muros altos que separam os ramos do conhecimento essencial a esta demanda – as várias ciências, políticas, religiões, éticas” (Carl Sagan e A. Druyan);

- incrementadas pela intervenção poderosa de cientistas em diversas áreas: de A. Einstein a P. Dirac e W. Heisenberg nas Ciências Físicas, de Von Bertalanffy a E. Morin nas Ciências Sociais, de R. Jakobson a R. Barthes e N. Chomsky na Linguística, do grupo da História Nova dos Annales à equipa da História da Humanidade (UNESCO) na História, etc.;
- confirmadas nos resultados obtidos em diferentes sectores: após a emergência da teoria quântica, a Química integra-se na Física; as descobertas da Genética são arrumadas na Bioquímica; outras descobertas dão origem às teorias da Auto-Eco-Organização; a História tende a privilegiar a “compreensão do Anthropos” e a “inteligência das Culturas”; chega-se ao reconhecimento de que “a biblioteca da nossa própria formação hereditária, o genoma humano, revela-nos hoje que a Biologia é muito mais como a Língua e a História do que como a Física e a Química” (Carl Sagan e A. Druyan).
A tudo isto, importa ainda somar as eventuais deficiências de carácter educacional (ensinar é só uma parte de educar) e de carácter pedagógico (a normal ausência de trabalho em equipa, por parte dos professores, em ordem a proporcionar aos alunos a assimilação integrada das diversas matérias).

Entretanto, a par de todo o progresso na procura de uma visão global da realidade, prossegue, e bem, o desenvolvimento de cada ciência e o aperfeiçoamento dos respectivos especialistas. Nalgumas delas – Física, Economia, Medicina – alguns deles vêm merecidamente recebendo a distinção do Prémio Nobel. Com todo o respeito e simpatia pelos contemplados e na perspectiva acima registada de que “os nossos problemas são, cada vez mais, do foro global e admitem apenas soluções globais”, teremos no entanto de admitir que, em termos de bibliografia educacional, se trata dos autores maiores entre os mais pequenos.

B.      Os Educadores

Da raiz *IE Deuk-, Duk-, “conduzir, guiar, liderar”, diremos, numa primeira abordagem, que se trata daqueles que, conjugando esses verbos, caminham, pelo exemplo, à frente dos educandos.
Próximos deles situam-se os pedagogos cuja etimologia, remontando da tradicionalmente citada em língua grega (soma das raízes pais, -dos, “criança” + agein, “conduzir”) à indo-europeia (soma das raízes *IE Pu-, “rebento de vida” +Ag-, “empurrar”), envolve a ideia de que eles, levando pela mão os educandos, os conduzem e, se necessário, os arrastam e empurram nos caminhos da existência.
Em contraposição com as micro-perspectivas dos especialistas citados na alínea anterior, trata-se aqui do que poderíamos designar macro-visão dos generalistas, na ciência de criar todas as condições e procurar remover todos os obstáculos para que os educandos aprendam a discernir e trilhar o caminho de uma vida verdadeiramente humana.
Para isso, importa adoptar atitudes do género daquelas que E. Morin, depois de as adoptar no seu percurso pessoal, propõe a todos os educadores:
- a atenção a todas as dimensões do verdadeiro método;
- a exigência do pensamento complexo no que respeita a

“uma tomada de consciência radical: a causa profunda do erro não está no erro de facto (falsa percepção) ou no erro lógico (incoerência), mas no modo de organização do nosso saber em sistemas de ideias (teorias, ideologias), […] modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real” (Edgar Morin).

- os Sete Saberes para a Educação do Futuro que, no livro elaborado a convite da Unesco, resumiu deste modo: “as cegueiras do conhecimento (o erro e a ilusão); os princípios de um conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrestre; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; a ética do género humano”. 

É a posse desta sabedoria que distingue quem são os verdadeiros educadores, de acordo com a hierarquia universalmente aceite:
- no plano familiar, por natureza, os pais, universalmente reconhecidos (nº 3 do Art.º 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem) como, não uns mas os educadores dos seus filhos;
- no plano social, por vocação, os pedagogos, como colaboradores dos pais, incluindo nesta designação os professores que, na expressão  de Olivier Reboul, para além de ensinarem, “enquanto ensinam educam”;
- no plano político, e já desde os primitivos agrupamentos humanos, os patriarcas e todos aqueles que, sendo por conquista, por hereditariedade ou por escolha democrática colocados à frente dos povos, se puseram ao serviço das comunidades humanas como verdadeiros Pais da Pátria, desde o projecto, fracassado, é certo, mas generoso dos Filósofos na República de Platão, até à tradição milenária do mandarinato no Império da China.
- no plano social e nos dias que correm, muitos galardoados com o Prémio Nobel da Paz que, nas condições difíceis que atravessa o Mundo global de hoje, obtiveram jus a serem considerados verdadeiros exemplos para a educação da humanidade.

C.       Os artistas

É impressionante o facto de, nos alvores da civilização, os avanços técnicos virem sempre acompanhados de manifestações de arte que, simultaneamente, se constituem padrões do nível do desenvolvimento e da educação atingido pelos diversos grupos humanos. Mais significativo ainda é o facto de, nos séculos posteriores à invenção da escrita e em diversas áreas culturais, os escritores mais inspirados e criativos serem agraciados com o título de Educadores, como os Autores dos Velhos livros religiosos dos Avestas à Bíblia e ao Corão, Homero Educador da Grécia, Virgílio Educador de Roma e, desde Dante e Shakespeare, tantos Educadores de áreas culturais do Ocidente e de outra regiões do Mundo.
Mesmo em tempos de hegemonia da razão como o do iluminismo ocidental, já desde Pascal e por obra de Blondel, Nietzsche, Levinas e outros mais, o árbitro epistémico tendeu sempre a deslocar-se da instância da mera racionalidade, do conhecimento, do saber, da verdade, para algures na instância do além-razão, do sentimento, do querer, da liberdade, do afecto, do coração, dos valores, do bem.
E nos dias que passam, a partir de António Damásio e Daniel Goleman, com a descoberta do que se vem convencionando designar “os dois cérebros, duas mentes e dois tipos de esfera da inteligência, racional e emocional”, o registo de que “o cérebro emocional está tão envolvido no raciocínio como o cérebro racional”, chega-se à conclusão de que se

“o velho paradigma postulava um ideal da razão livre de qualquer constrangimento emocional, o novo paradigma incita-nos a harmonizar a cabeça e o coração” (D. Goleman).

É também neste contexto que, em rotura com a linha pragmatista de aceitação da verdade como correspondência linguagem-mundo, R. Rorty nos recorda a exigência da superação dos discursos literais por discursos metafóricos e ainda, perante a aceleração actual da mudança a que indivíduos, povos e culturas nos encontramos sujeitos, no que se refere a introduzir permanentemente vocabulários, linguagens e discursos novos, incita-nos a todos a aprofundar a arte de reinterpretar, redescrever e reconstextualizar o mundo. E àqueles que se mostram capazes deste esforço dinâmico, po(i)ético, criativo, sem fim à vista, dá ele o nome de Poetas fortes.
Por sua vez, Harold Bloom, defendendo que os critérios para distinguir os autores da Grande Literatura não vêm das ideologias, mas do nível de dignidade estética em testemunhar e exprimir as mais profundas experiências da existência humana, atribui a esses escritores o nome de Autores  fortes.
E, reconhecendo que existiram em todos os tempos, desde os autores da epopeia de Gilgamesh e do Mahabharata, até aos da Bíblia e do Corão, procurou fixar o Canon dos maiores do Ocidente, de Dante e Shakespeare a Kafka e Brecht.

Outros críticos vêm procurando estabelecer cânones semelhantes noutras áreas artísticas, arquitectura, escultura, pintura, música e canto, cinema e desportos.
E a atribuição anual de Prémios Nobel de Literatura e distinções similares nos outros sectores de Arte, constitui um justo reconhecimento da função educacional de todos eles, como testemunhas vivas das mais profundas experiências da misteriosa vida dos seres humanos, sabendo que

“cada um tem em si galáxias de sonhos e de fantasmas, impulsos insaciados de desejos e de amores, de abismos de infelicidade, imensidades de indiferença gelada, abrasamentos de astros em fogo, explosões de ódio, desvarios débeis, clarões de lucidez, tempestades dementes” (citado por Edgar Morin).

D.            Os Mestres.

A pergunta, muitas vezes repetida, sobre quem é o melhor educador, a conduzir, a apontar o caminho, a dar o exemplo de como chegar à plena realização pessoal e, por extensão, comunitária e cósmica, obtém sempre a mesma resposta: é o que mais longe chegou, mais alto subiu, o Mais (lat. Magis), o Mestre (lat. Magister). E, por milhares de milhões de pessoas, são apontados como exemplos Confúcio e Lao Tseo na China, Buda e Mahawira na Índia, Zoroastro na Pérsia, Sócrates no Ocidente.

Começando pelo último, mais próximo de nós, impressiona a sua humildade (“não sei nada”, “sábios, sábios só os deuses”) e, na sequência da atitude questionadora dos que o precederam na Grécia (Pré-socráticos) sobre tudo o que nos rodeia (“que é, porque é tudo isto), a atitude de dobrar-se sobre si próprio (“conhece-te a ti mesmo”),  base da procura, do Amor da Sabedoria ou  Filo-Sofia.
É este elã tremendo, no sentido mais radical da fórmula bergsoniana, que a todos nos leva a tudo indagar, pesquisar, questionar, desde a criança de 4 anos (“e porquê?”), aos adolescentes alunos da disciplina de Filosofia e aos adultos doutorados em todas e quaisquer especialidades científicas que, na tradição inglesa de origem medieval, recebem o título de Ph. D. = Philosophiæ Doctor = Doutor no Amor da Sabedoria.
E é ainda a mesma força que leva a UNESCO, desde o seu Acto Constitutivo (1945) e o Projecto para a Filosofia (1946) até à Declaração de Paris para a Filosofia (1995), a promover o estudo da Filosofia e a colocá-la ao serviço da Educação, como disciplina central de todo o currículo da formação humana.

Mas a seguir, na sequência da declaração atribuída a Robert Kennedy:

 “Há homens que vêem as coisas que são e perguntam porquê?
Eu sonho coisas que nunca foram e pergunto porque não?”

os Mestres despertam-nos e arrastam-nos para irmos mais além da sabedoria, no caminho do sonho:
- “ I have a dream”, “eu tenho um sonho” (Luther King),
- “pelo sonho é que vamos” (Sebastião da Gama),
                   - e vamos todos nós, com toda a compreensão pelos indecisos,     enquanto

“Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer […]

Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida,
que, sempre que um homem sonha,
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança”  (António Gedeão).

Deste modo, no Universo em que nos encontramos, tudo recebemos, sabemos que devemos, que devemos dar e assim completar-nos ou realizar-nos, os Mestres, espalhados por todos os continentes, são aqueles que descobriram o caminho a seguir, estão a caminhar, e nos vão dizendo coisas sobre essa experiência:
- que não há outra saída: “A vida é um país estrangeiro […]. Temos de ir. Para onde? Não sei, mas temos de ir” (Jack Kerouak);
 - que é tarde para recuar: “Não sei para onde vou, mas já vou a caminho” (Carl Sandburg );
- que temos companhia: “Não sei para onde vou, mas sei com quem vou” (Edite Stein);
- que a maneira de avançar é só uma: “El camino se hace caminando” (António Machado);
- e é só um,  também, o rumo a seguir: “Aproximar-nos do que está longínquo” (Martin Heidegger).
Afinal, trata-se de pormenores acerca do mesmo e único caminho pessoal apontado pelos grandes Mestres do Oriente:
- o Caminho do meio, na “Audição” (Hinduísmo) ou  na “Iluminação” (Budismo);
- Xintó ou o Caminho dos Deuses (Xintoismo);
- Tao ou, simplesmente, O Caminho (Taoismo).

E.      Os Profetas

Desde há milénios, mas desta vez ao redor da região do Crescente Fértil, a História lembra-nos também os Mestres Maiores que, chegados ao termo do Caminho, no Sinai, na Galileia ou no Deserto, afirmam terem-se encontrado com o Máximo e terem regressado com a missão de transmitirem aos Povos as palavras d’ Ele, recebendo, por isso, o nome de Profetas (os que falam em nome do Outro), entre os quais emergem Moisés, Jesus, Maomé.
A adesão que estes Profetas recebem hoje de cerca de metade dos 7000 milhões de seres humanos justifica plenamente a atribuição que lhes é feita do título de Educadores e do lugar que merecem na bibliografia educacional. O que também se torna válido, na devida proporção, para a lista de outros profetas que aparecem ao longo da História.
Com efeito, as tremendas dificuldades resultantes da crise actual, do ambiente à economia, à política e à cultura, reforçam essa atribuição prioritária, como sublinham Atlan, Goblot, Hannoun, Fullat, entre outros, tendo o primeiro referido a eventualidade de o nosso tempo se encontrar maduro para o “retorno dos profetas”. O que pode acontecer de muitas maneiras.

Entre os 26 Autores Fortes incluídos no Cânon Ocidental de H. Bloom, encontram-se Walt Witman e Fernando Pessoa.
O primeiro, ao distinguir três instâncias no seu eu: a Alma (soul) mais ligada à realidade natural, o Eu (self) que traduz a identidade de um americano agressivo, um dos duros do Oeste, e o Eu Verdadeiro ou Eu, Eu Mesmo (real me or me myself) que exprime o Eu na sua relação com o Mistério, reconhece que é na obediência a esta instância superior que pessoalmente se sente realizado.
Fernando Pessoa assimila a mesma distinção e, através de um percurso, que passa por criar a Escola interior dos seus heterónimos em que o Mestre é Alberto Caeiro, ver-se ele próprio aceite como Mestre pelos contemporâneos e confessar a Ofélia que o “meu destino […] está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam”, revela seguir sempre o seu Eu Superior, Profundo, Verdadeiro, o Eu, Eu mesmo e, assim, ter entrado na “divina consciência da minha missão”, ou seja, “ter uma acção sobre a humanidade, contribuir com todo o poder do meu esforço para a civilização”.
Estes simples exemplos, entre outros possíveis, revelam duas coisas: que os Mestres que seguem o caminho até ao fim e se encontram com o Outro, regressam normalmente cheios das palavras d’ Ele e com a missão de as transmitirem aos outros caminhantes; que essas palavras já não têm a ver            apenas com o caminho pessoal a trilhar por cada um, mas com o caminho a seguir pela inteira comunidade dos ouvintes.
É assim que o Caminho de que nos falam os Profetas passa agora a ser o Caminho dos Povos:
- o  Caminho do Êxodo, da Diáspora ou do Retorno (Judaísmo),
- o Caminho Certo no Deserto (oração Salat, no Islamismo),
- outra vez, simplesmente, O Caminho (primeiro nome histórico do Cristianismo).

F.       Os Místicos

Ao se aproximarem do fim do Caminho e se encontrarem, face a face, com o Mistério, os Grandes Mestres regressam a transmitirem-nos as Palavras d’ Ele, de maneira confusa e imperfeita (através de metáforas, alegorias, parémias, apólogos, parábolas) o que se compreende pela dificuldade em traduzir a Linguagem de Deus para a linguagem dos homens.
Mas deixam-nos também a impressão de, nesse contacto, terem ficado presos, perdidos, integrados no núcleo secreto do próprio Mistério. Caminharam como Mestres, regressaram como Profetas, tornaram-se Místicos.

Conscientes de estarmos a entrar num terreno extremamente delicado (em todos os tempos e lugares vêm proliferando “sociedades secretas” que, ao envolverem-se em mantos pretensamente relacionados com o mistério, permitem aos seus membros defender os próprios interesses, por vezes à custa da exploração dos outros seres humanos), é possível constatar que, em todas as etapas da evolução do sentimento religioso, deparamos com o fenómeno místico protagonizado por xamãs, gurus, rabinos, monges, sufís, roshis…
Também aqui, Fernando Pessoa, referindo-se às práticas de ascese no caminho das ” formas de educação do mal para o bem (não há educação de outra forma)”, balbucia coisas sobre o “misticismo que é ter o sentimento nítido de uma coisa que se não sabe o que é”, acrescentando que se acede a ele através do processo iniciático (néofito-adepto-mestre) e ainda que, “por não ser a iniciação em conhecimento mas uma vida”, esses privilegiados “não apenas apreenderão as palavras em que se exprimem, mas viverão por si próprios as suas vidas”, evidentemente ao nível do Eu Superior, Profundo, Verdadeiro, o Eu, Eu mesmo.

Trata-se de um processo em que as palavras falham, mas a vida cresce.
É assim que os grandes místicos, ao falarem deste encontro entre o humano e o divino, se apresentam pujantes de vida mas apenas capazes de balbuciar sobre ela: falam de união transformante, de comunhão crescente, de fusão total, como acontece com duas velas acesas que se juntam numa só chama, ou como a gota de água que cai e se dissolve no oceano, ou ainda, em termos caseiros antigos, como o fermento que leveda toda a massa ou, em termos científicos modernos, como um processo químico de diálise do ser humano no meio divino.
Nesta situação, as considerações iniciais com que iniciámos este texto sobre Questões de Metodologia (recebemos + sabemos que devemos + que devemos dar), mudam radicalmente de sentido na experiência dos Místicos: “nós recebemos porque Alguém nos dá, nós sabemos que devemos porque Alguém nos ilumina, nós devemos pagar, dar, porque Alguém espera por nós e de nós.
Em síntese, tudo nos acontece porque tudo nos vem do e dentro do Mistério que é o puro Dom, que é o verbo Amar.
Como um “fogo que arde sem se ver”, que gera em nós um “contentamento descontente”, talvez porque tudo é muito claro dentro da escuridão:

        “Bem eu sei a fonte que mana e corre,
        embora seja noite” ( São João da Cruz).


domingo, 13 de novembro de 2011

Educação: Questões de Metodologia 2

A linguagem da Educação

Em qualquer tipo de investigação, uma das questões fundamentais tem a ver com a linguagem.
“A falar é que a gente se entende”, diz o povo. Mas isto só acontece quando é claro o sentido das palavras.
Restringindo-nos ao nosso campo, podemos perguntar: qual é o sentido da palavra educação? Mas não precipitemos a resposta. Ela pode beneficiar de uma reflexão prévia sobre as coordenadas do tempo e do espaço em que nos toca viver.

Continua entre nós a debater-se o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, perspectivado em 1911, estabelecido em 1990, entrado em execução a partir de 2009.
O debate, na sequência das duas principais tradições da escrita, de base fonética ou de base etimológica, e porque o Acordo privilegia a primeira delas, continua a oscilar entre duas posições opostas:
- de aceitação, a partir do orgulho nacional pela língua de um pequeno País que se tornou uma das mais faladas do Mundo à escala intercontinental e se transformou, no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em veículo de uma cultura comum de tradições, sentimentos, afectos e valores, cuja unidade, tanto mais ameaçada quanto maiores são as diferenças entre as diversas comunidades dos falantes, importa preservar a todo o custo, no sentido da proclamação de Fernando Pessoa “a minha Pátria é a Língua Portuguesa”;
- de rejeição, atendendo ao facto de que o português deriva do latim, a língua do Império Romano aquém do Reno e Danúbio e que essencialmente importa evitar que a progressiva cedência à simplificação fonética dos vocábulos acabe por apagar e destruir os traços da fisionomia etimológica ou, como diríamos hoje, do código genético, do genoma, do ADN herdados da língua-mãe.

Pessoalmente considero que a boa solução deverá encontrar o equilíbrio entre as duas vertentes: por um lado, reconhecer que o ritmo de aceleração da mudança, no mundo global em que nos toca viver, continuará a privilegiar a vantagem de atender à base fonética como meio de manter a unidade da língua e, por outro lado, estar bem consciente de que a maior exigência da própria comunicação entre os falantes obriga a preservar, por todos os meios, o sentido etimológico das palavras, o seu étimo que, em grego, significa “o nome verdadeiro das coisa segundo a sua origem”.
Nesta ordem de ideias, impõe-se adoptar na cultura nacional duas medidas: a primeira, a longo prazo, visará arrepiar caminho do inacreditável abandono a que vêm sendo votados, nas nossas Universidades, os Cursos de Línguas, Literaturas e Culturas Clássicas; a segunda, a curto prazo, consistirá em promover, com toda a urgência, a reforma dos dicionários escolares no sentido de incluírem, obrigatoriamente e na medida correspondente a cada grau de ensino, referência á etimologia de todas e cada uma das palavras. Existe o bom exemplo do dicionário Houaiss.

Mas neste ponto e nesta fase de construção da cidadania europeia, o estudo na área da educação, como aliás em qualquer outra área, pode e deve obrigar-nos a ir mais longe.
O latim brota do tronco comum de todas as línguas faladas desde Portugal ao Bangladesh (com excepção do basco, húngaro e finlando-estoniano) que é o chamado indo-europeu.
O reencontro das raízes desta remota língua-mãe resulta de um processo de “serendipidade”, palavra registada no dicionário Houaiss como “aptidão, faculdade ou dom de atrair o acontecimento de coisas felizes ou úteis, ou descobri-las por acaso”, e é tradução da palavra inglesa serendipity , cunhada em 1754 pelo escritor inglês H. Walpole (1717-1797), “a partir do conto de fadas Os três Príncipes de Serendip (do árabe Sarandib, antigo nome do Sri Lanka) cujos heróis faziam sempre descobertas, acidentalmente ou por sagacidade, de coisas que não procuravam”. Edgar Morin, depois de mencionar a arte de modernos investigadores que, a partir de simples indícios, descobriram novos horizontes do Micro e do Macrocosmo, da Biologia e da Genética, da Paleontologia e da Pré-história, define a serendipidade como “a arte de transformar detalhes aparentemente insignificantes em indícios permitindo reconstituir toda uma história”. Na área das línguas, apesar das dúvidas que permanecem sobre o espaço e o tempo do território original do proto-indo-europeu e das dificuldades iniciais, a investigação vem sendo feita por autores como A. Zamboni, Grandsaignes d’ Hauterive e Heckler, Chantraine, G. Devoto, A. G. da Cunha, Alain Rey, Corominas y Pascual, Ernout-Meillet, etc.
Já no que diz respeito à Educação, é conhecido o esforço do Álvaro Gomes que a partir da constatação de que “também as palavras têm o seu curriculum vitae”, estudando “as marcas linguísticas, os rastos e os restos dessas cristalografias semânticas, como se duma espécie de isótopo 16 ou de carbono 14 linguístico se tratasse”, remonta a “mais de sessenta” raízes de interesse para a educação e procede a amplas análises no âmbito da metadidática.
A importância crescente atribuída à etimologia por modernos dicionários (ver Houaiss) incita-nos a remontar aos étimos que, a este nível, se revelam fontes de galáxias de nomes, chegados até nós, através de variadíssimos percursos.
No blogue e com as cautelas devidas, proponho-me tirar partido deste método. E, pela experiência adquirida, estou certo de que vamos ficar convencidos do enriquecimento que ele nos pode proporcionar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Educação: Questões de Metodologia

No mundo em que vivemos, o ritmo de aceleração da mudança vem tornando a tarefa de educar extremamente complexa e difícil, a exigir cada vez mais atenção, conhecimento e treino.
Impõe-se adoptar a metodologia adequada (método, do grego metá, “com ou através de” + odos, “caminho”) para acertar em cheio no caminho. Neste sentido, propomo-nos abordar os pontos que seguem: partir da situação concreta em que nos encontramos, não esquecer as lições da História recente, ter em conta as dimensões fundamentais da experiência humana, os problemas da linguagem, o recurso a uma bibliografia aberta, a adopção de uma estratégia clara.

                                  Ponto de partida: a situação de crise

Vivemos tempos de crise. E nos diversos campos da nossa existência: financeiro e económico, pessoal e sociopolítico, cultural e ético, religioso e místico.
Em cada um dos campos, existe um conjunto de realidades às quais, na avaliação corrente da vida, atribuímos importância, peso, preço, e a que damos o nome de valores como, por exemplo: a moeda e seus derivados no campo financeiro; os produtos da natureza e do trabalho, bens móveis e imóveis, no campo económico; a vida, a saúde, a dignidade, a honra, a solidariedade no campo pessoal e sociopolítico; a verdade, o conhecimento, a ciência, a beleza e a arte, no campo da cultura; a liberdade, o bem, a justiça, no campo ético; a fraternidade e o sacrifício no campo religioso; a bondade e o amor no campo místico.
Desde sempre, em cada um dos campos, os seres humanos desenvolvem processos de transacção entre os valores: de compra e venda, empréstimo, troca, doação, entrega recíproca. No limite, estes processos implicam sempre, como regra fundamental da transacção, o duplo movimento de receber e dar: quem recebe fica a dever e deve pagar, normalmente com juros.
Onde acontece uma crise? No descontrolo das transacções, quando seres humanos, ou por não se contentarem com o que recebem eles próprios procuram apoderar-se do que recebem os outros, ou por decidirem egoisticamente deter e reter o que receberam, ou por não trabalharem para fazer render o capital recebido, ou por mal- gastarem o recebido e o adquirido, acabam na situação de não pretenderem ou não conseguirem pagar o que devem, no todo (dívida) ou em parte (défice).
A crise agrava-se quando o descontrolo se estende ao conjunto dos campos, quando se pretende chegar ao controlo de uns (por exemplo, do financeiro e económico) à custa do descontrolo de outros (por exemplo, do cultural e do ético), quando não se respeita a hierarquia dos valores que exige colocar os materiais (financeiros e económicos) ao serviço dos pessoais e sociopolíticos, respeitando sempre a transcendência dos valores culturais e éticos, religiosos e místicos.
Em qualquer caso, a crise acaba por tornar-se insustentável se os seres humanos, conscientes, livres e responsáveis, esquecem a regra fundamental das transacções: quem recebe, sabe que fica a dever e que, por isso, deve pagar.

          Lição da História: a Declaração Universal dos Direitos do Homem

Neste momento histórico de crise global que se propaga desde a tempestade nas áreas financeira e económica até ao “choque de civilizações”, “às guerras religiosas” e ao “terrorismo internacional”, a evocação de outro período da História recente pode ajudar-nos a focalizar melhor a essência da crise e do caminho para a ultrapassar.
Trata-se da crise da II Guerra Mundial (1939-1945), que envolveu povos de todos os continentes, provocou a subversão de todos os sistemas de valores e culminou na cifra de 40 milhões de mortos.

O Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos dos Homens (1948), primeiro documento histórico resultante do consenso de todos os Povos da Terra, abre com as palavras (sublinhados nossos):
“O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da Família Humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”,
para, a seguir, acrescentar que “o advento de um mundo” com estas características (Mundo dos Valores) “foi proclamado como a mais alta aspiração do homem”, como objectivo que supõe o compromisso de sobre ele adoptarmos “uma concepção comum” e “como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações”, “pelo ensino e educação”.
Acontece que a palavra dignidade, do latim dignus, relacionada com a palavra decência, do latim decet, deriva da raiz indo-europeia *IE Dek-, variante Dak-, que envolve a ideia de receber.
Quer dizer que o conceito de dignidade envolve o que todos os membros da Família Humana recebemos: a categoria de seres conscientes, livres e responsáveis, com todas as consequência (direitos e deveres) que lhe são inerentes.

Mas o documento acrescenta que o reconhecimento desta dignidade, constitui o fundamento “do mundo dos valores”.
Por outras palavras, está a dizer que quem recebe a dignidade humana com os valores que lhe são anexos, deve dar conta, estar consciente, saber que, a partir desse momento, está a dever e tem que procurar colocar-se em condições que lhe permitam pagar.
Entre essas condições, mencionam-se duas fundamentais: a consciência dos deveres e a procura de uma concepção comum acerca deles. Infelizmente é nestes pontos que residem as duas maiores fraquezas do documento:
a)                      a primeira é que em vez de apresentar a única realidade subjacente à dupla face de  deveres e direitos (aos deveres de uns correspondem os direitos de outros e vice-versa), começa por ceder, no título e no texto do documento, à ingénita cobardia humana de mencionar apenas a face dos direitos, silenciando a face dos deveres;
b)                     a segunda é citar apenas a importância da necessidade de todos os povos procurarem uma concepção comum destes direitos (e deveres), sem avançar medidas para alcançar esse objectivo que hoje continua a manter-se longínquo, por exemplo, nas “escolas de teologia” dos talibãs.

O documento passa a ser rigoroso no que diz respeito à prossecução do “ideal comum” do Mundo dos Valores “a atingir por todos os povos e todas as nações”, ao propor que “todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente em espírito, se esforcem” por chegar lá ”pelo ensino e educação”.
Deste modo, e nesta perspectiva englobante de todos os Valores, confirma-se a absoluta necessidade de cumprir a regra: quem recebe, sabe que deve e deve esforçar-se por também dar.

                     As dimensões fundamentais da experiência humana

Não existo apenas eu. Ou tu. Afastados ou isolados. Existimos nós. E, assim, unidos. O plural de eu não é “eus” mas “nós”.
E andamos a falar uns com os outros.
E, por vezes, fazemos perguntas: que(m) somos? que sabemos? que devemos fazer?
Procuremos respostas simples e claras.


A.                      Há momentos na vida em que temos de nos identificar. Fazemo-lo apresentando o “Bilhete de Identidade” ou o “Cartão de Cidadão: nome, nascido em …, no dia tal …, filho de … e de …, nacionalidade, residência.
Deste modo, pensamos estar a mostrar quem somos (nome, nascimento), onde estamos (local em que nascemos e residimos), que temos (pais, idade, etc.).
Ora, se bem reparamos e medimos a força das palavras, verificamos que não é bem assim.
- Nós não “somos”. Apenas vivemos. Por um breve período de tempo. Desde que nascemos, enquanto crescemos, até que morremos.
 - Nós não “estamos”, mas transitamos, caminhamos, andamos, passamos, vimos e vamos, de e para.
- Nós nada “temos” ou possuímos por nós próprios, mas tudo recebemos, a começar pela vida, os pais que nos geraram, o nome que nos deram, a terra em que nascemos, todos os haveres, bens ou valores que transportamos no percurso das nossas existências.
Em resumo: na vida, nada temos mas tudo recebemos.
E isto é verdade, entendendo o verbo “recebemos” no sentido não apenas do pretérito perfeito mas também do presente indicativo: não recebemos a vida, no início, de uma vez por todas, mas continuamos a recebe-la em cada momento do presente, até que chegará o momento final de a perder.
Provavelmente, nada disto se torna claro aos olhos da cara ou da razão. Como dizia o Principezinho, chegado à Terra de outro Planeta, “o essencial é invisível aos olhos”, “só se vê bem com o coração”. E, nesta medida, somente é certo e claro que viver é receber.

B.                      Por outro lado, nós pouco ou nada sabemos. Apenas, depois de sermos gerados, nascermos e crescermos durante os primeiros anos, “nos encontrámos”, ou seja, começámos a dar conta, a tomar consciência, a procurar apreender, aprender, mas sem compreender:  
- onde estamos: na aldeia ou cidade, no País, na Comunidade Europeia, no Planeta Terra, parte de um sistema solar dentro de uma galáxia de 300 mil milhões de estrelas, que, por sua vez, faz parte de uma super-galáxia entre milhares de milhões de outras super-galáxias, num universo em expansão acelerada de que ignoramos a estrutura e as fronteiras ou mesmo se as tem …
- como parte de uma comunidade familiar, dentro das comunidades local, regional, nacional, mundial ou global que é a Família Humana, último elo da evolução da vida na Terra desde há 4,5 mil milhões de anos, cuja origem continuamos a desconhecer …
- integrados num percurso pessoal em que, a pesar do orgulho que mostramos a partir da ilusão de que sabemos tanto quanto a ciência, acerca da natureza e do Homem, progrediu ao longo de séculos, sentimos  que a lei do tudo ou do nada também aqui se impõe – enquanto não chegarmos a saber tudo continuamos a não saber nada – no sentido que já obrigava Sócrates a confessar “não sei nada”, “só sei que nada sei” e “quanto mais sei, mais sei que nada sei”
E, no limite, apenas se mantém o saber radical: tudo recebemos e por isso tudo estamos a dever.

C.                       Finalmente, nós não somos independentes, na medida em que não somos donos ou senhores de nada. Nem sequer somos inteiros, completos, realizados, porquanto, no nosso viver, uma vez que o recebemos no passado, continuamos a recebe-lo no presente e iremos perde-lo em qualquer próximo futuro, ainda não atingimos a plenitude. Quem vive, ainda não está completo.
Vejamos melhor.
- Em termos do vocabulário económico-financeiro, uma vez que recebemos e devemos, estamos dependentes dos dadores e, por definição, só depois de pagarmos, de saldarmos a nossa dívida (sem défice e com juros), nos sentiremos libertos e independentes.
- Já na linguagem antropológica e sociopolítica, chegamos à mesma conclusão: para sermos em parte, basta receber, mas para sermos na totalidade é preciso também dar. O que se encontra na base da necessidade de crescermos e em dois sentidos: pessoalmente para adquirirmos e socialmente, na relação com os outros, para treinarmos a capacidade de dar: crescemos na medida em que damos, até sermos capazes de dar tudo.
- Em termos que relevam do campo da cultura e da ética, o tudo de cada um de nós abarca não só o que se tem mas também o que se é. Para quem se recebeu todo, o pagamento da dívida corresponde a dar-se todo; só agindo deste modo, deixaremos de ser todos meros recebedores para nos tornarmos também dadores e, ao fechar assim o círculo do dom, nos sentirmos realizados, perfeitos, acabados, completos.
- Finalmente e já no vocabulário religioso e místico: receber-se é ser amado (por alguém); dar-se é amar (alguém). Um gesto implica o outro. Um movimento atrai o outro. Como cantava Francisco de Assis: “é dando que se recebe”. Dando-se todo, recebe-se todo. Dando tudo, recebe-se tudo. Entramos assim no Mistério que nos envolve, das origens (recebemos porque Alguém dá) e dos fins (damos porque Alguém recebe), no círculo do Amor, que nunca acabará.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A Educação Hoje

A educação tem a ver com o essencial das nossas vidas: o seu despontar, o seu desenvolvimento e o seu destino.
Nos dias de hoje, desde que, na sequência das experiências traumáticas da II Guerra Mundial (1939-1945) e pela primeira vez na História da Humanidade, os diferentes povos da terra (“Nações Unidas”) ensaiaram falar a mesma linguagem, começou a crescer na Comunidade Planetária o consenso sobre uma filosofia e uma política da Educação capaz de constituir o fundamento de uma estratégia e de um programa de acção comum.
Neste passo histórico, tão grande para cada ser humano como para toda a humanidade,  através de documentos da ONU como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Declaração do Milénio (2000), a que se deverão juntar os Relatórios das Conferências Mundiais sobre Educação de Adultos (promovidas pela UNESCO desde 1949), é atribuído um lugar de máximo relevo à educação ou, falando em termos mais concretos, à conjugação do verbo educar .
É assim que, ao longo da segunda metade do século XX, a partir das grandes “reformas do sistema educativo (décadas 40 e 50), da contestação de que se tornam objecto (década 60 e 70) e da crise que se abate sobre o subsistema escolar, alastram experiências, concepções e práticas que provocam a emergência de novos sectores educativos, desde  o subsistema de educação de infância totalmente reconceptualizado e do subsistema de educação de adultos em múltiplas modalidades (formação contínua e recorrente, alfabetização funcional, reconversão profissional, etc.)  até à sua progressiva integração enquanto duas fases do processo de educação ao longo da vida  de cada um de nós, dentro dos processos de educação comunitária da Família Humana a que pertencemos e de educação ecossistémica na relação com o Universo de que fazemos parte.
Mas, como o Director-Geral da UNESCO, René Maheu, já fazia notar na Conferência Mundial de Tókio (1972), se realizámos tão grandes progressos no que respeita à adopção do vocabulário referente às diversas dimensões do novo paradigma da educação, já o mesmo não acontece no que se refere à assimilação e compreensão do seu novo conceito.
É mesmo estranho e de algum modo incompreensível que os responsáveis dos Estados Membros das Organizações Internacionais que elaboraram, aprovaram e assinaram os documentos acima referidos, não os ponham em execução e que os cidadãos continuem a não os ter em conta ou mesmo a nem sequer os conhecer.
A própria investigação, nas instituições de educação superior, desenvolve-se em grande parte à margem deles, continuando assim a educação a manter-se desligada ou afastada da investigação sobre o desenvolvimento do ser humano dentro da comunidade global, como se fosse normal e possível educar sem procurarmos compreender todo o seu contexto.
Tudo isto coloca-nos perante a urgência de explorarmos e aprofundarmos o sentido e o alcance do verbo educar.
É o tema geral deste blogue

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Educação é Viver, Saber e Amar

Saudações.
Continuamos a viver em crise multifacetada.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948) aponta à Humanidade o caminho para a superarmos: a Educação, como processo de rentabilizar todas as coisas para que todos os seres humanos cresçam em todas as dimensões até à sua plena realização nos Valores.
Neste blogue proponho-me abordar a Educação à luz de três valores fundamentais - Viver, Saber, Amar - nas suas múltiplas vertentes e correlações. Fico aberto às críticas, comentários e achegas de quantos sintam interesse em colaborar.