quarta-feira, 13 de junho de 2012

VIVER

                                                          EDUCAÇÃO AO LONGO DA VIDA
                                                                   Etapas, Sentidos, Conceito (1)
  
A educação ao longo da vida, como novo paradigma da educação, emerge no início da década 70 e no âmbito das conferências mundiais promovidas pela Unesco, quando a educação escolar, expressão do paradigma tradicional a ser contestado nos anos 60 (basta lembrar Maio de 68 em França) e a educação de adultos a abrir caminho desde os anos 50, entram em processo de síntese integradora (3ª Conferência Mundial de Educação de Adultos, Tóquio, 1972).
Nos anos seguintes e na sequência do regresso de Portugal à Unesco após o 25 de Abril, entra na língua portuguesa a expressão vocabular correspondente, a partir da tradução de textos das línguas oficiais daquela Instituição: nos primeiros anos, do francês “education permanente” para “educação permanente”, designação que se generalizou e eu próprio adoptei e introduzi na Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, Verbo, Lisboa /São Paulo, no vol. 19 da 1ª edição (1979) e no vol. 9 da edição séc. XXI, (1999) e ainda no Dicionário da Pedagogia, Verbo, Lisboa/São Paulo, 1980; mais tarde, confirmada a preponderância da língua inglesa, do inglês “life long education” para “educação ao longo da vida”.
Hoje podemos reconhecer a vantagem de utilizarmos a segunda tradução porquanto, nesta fórmula, de sabor empirista tanto ao gosto da cultura anglo-saxónica, aparece mais clara a verdadeira ligação entre educação e vida, no que diz respeito às etapas do percurso, aos sentidos da linguagem e ao próprio conceito actual de educação. Vejamos por partes.

1.      AS ETAPAS

As duas grandes etapas do processo educacional, reconhecidas nos anos 70 pelas designações educação escolar e educação de adultos, vinham sofrendo e continuaram a sofrer até aos nossos dias, profundas e inesperadas transformações. Abordemo-las com muito cuidado, tendo em conta a sua complexidade.

Educação escolar
Em 1912, Emile Durkheim descrevia deste modo a ideia de educação vigente na época:

“Toda a educação consiste num esforço contínuo para impôr à criança, modos de ver, de pensar e de agir, aos quais não teria chegado espontaneamente e que lhe são exigidos
pela sociedade no seu conjunto e pelo meio social a que é particularmente destinada”.

Esta descrição que hoje, passado apenas um século, nos deixa completamente estarrecidos, para além de reduzir “toda a educação” à actividade exercida sobre “a criança”, sintetiza bem as quatro vertentes que a “educação escolar” foi revelando ao longo da história. Examinemos cada uma delas, pela ordem inversa da sua apresentação no texto citado.

Exigências do “meio social a que [a criança] é particularmente destinada”.
No princípio não foi assim.
Os primeiros grupos humanos, tribos de nómadas e recolectores, constituíam uma grande família em que os produtos da caça, da pesca ou do campo, o milho, o trigo ou o arroz, eram angariados por todos e por todos distribuídos. As crianças, depois da sua iniciação nos mitos e ritos da tribo, entravam neste processo da vida comum.
Não existiam classes sociais.
É com o advento das sociedades mais complexas, constituídas por cidades, reinos ou impérios, das guerras e conflitos entre elas e das consequências de passar a haver vencedores e vencidos, que emerge a diferença entre os homens livres e os homens escravos e, pelo meio, entre os mais e os menos na infindável hierarquia das castas e classes sociais. Ficava assim marcada a fronteira nítida ou deslizante entre as elites e as massas ou, mais cruamente dito, entre os seres humanos que se mantinham ao nível de “pessoas” e aqueles que deslizavam ou acabavam por ficar reduzidos a simples “coisas”.
E isto ao longo de toda a história:
- entre os mandarins e os agricultores nas dinastias do império da China, e entre os membros superiores e inferiores no rígido sistema de castas a partir do período neo-védico (1000 a. C.) da Índia;
- entre os politoi ou cives e todos os outros na era clássica ocidental greco-romana;
- entre os habitantes do império bizantino e os das emergentes nações latino-germânicas da Europa, por um lado, e os habitantes dos espaços circundantes, por outro, sklabēnoi para os bizantinos e servi para os latino-germânicos, hoje eslavos e sérvios;
- na época medieval, entre os homens livres do clero, da nobreza e mais tarde da burguesia e os “servos da gleba” dos campos e a “arraia miúda” das cidades;
- já nos tempos modernos, entre os conquistadores do Novo Mundo e os escravos negros traficados para as “plantações esclavistas das Américas (Tropical, Norte e Sul);
- nos tempos mais recentes, entre as camadas superiores e inferiores das populações de fieis das igrejas modernas, de súbditos de Sua Majestade no antigo regime, de patriotas das pátrias no regime novo, de cidadãos  das nações na actualidade;
- no Mundo Global dos dias de hoje, entre os dois lados do fosso que separa os países desenvolvidos  e os subdesenvolvidos também eufemisticamente designados “em vias de desenvolvimento”.

Exigências da “sociedade no seu conjunto”
A diferença essencial entre as duas classes extremas em que a sociedade se encontrava dividida incidia sobre o emprego do tempo: enquanto os homens escravos eram forçados a gastá-lo integralmente no trabalho de angariação dos recursos de vida para todos, os homens livres passavam a ser os únicos a dispor da sua totalidade para o empregarem no próprio desenvolvimento.
É sobre esta base que, ao logo da idade clássica ocidental, a educação começa a ser adjectivada de escolar e em dois sentidos subsequentes.
Da raiz *IE Segh- que envolve a ideia de “agarrar, manter”, vêm os substantivos scholé em grego e schola em latim, com o significado de tempo livre, paragem, descanso, lazer, ócio. Assim, num primeiro período histórico, a educação é entendida como escolar no sentido do tempo livre de que os seres humanos livres dispõem para dedicar-se à cultura. Posteriormente, e porque a aquisição organizada da cultura pressupõe também esforço e trabalho, escola passa a entender-se em ligação com a raiz * IE (S)teud-, “empurrar, bater”, donde vem a palavra estudo (e outras como tunda, contundente, obtuso, etc.) e torna-se objecto de uma expressiva metamorfose semântica:

O termo schola não é sinónimo de ócio e lazer, significa, isto sim, que, deixando de parte as demais ocupações, as crianças devem dar-se aos estudos próprios de homens livres (Gramático Fexto, séc. III).
Z
Considera-se que, deste modo, ficam asseguradas, a partir do trabalho braçal dos escravos a satisfação das necessidades da economia e a partir do esforço de estudo dos homens livres as necessidades da cultura da “sociedade no seu conjunto”.

“Modos de ver, de pensar e de agir aos quais [a criança] não teria chegado espontaneamente”.
A par do natural sentimento de ternura perante a cria humana, coexiste ao longo da história, a tendência para a considerar não como “ser vivo”, “sujeito” de um processo natural de desenvolvimento, mas como “objecto” ou “coisa” que se pode usar e abusar, mutilar, vender, abandonar, matar. Alguns tópicos destes tipos de tratamento:
- sobre a Grécia, Marrou fala de “uma civilização que ignora deliberadamente a criança”;
- em Roma, o pater-famílias  possuía sobre os filhos o “jus vitӕ necisque”, ou seja, o direito de vida e de morte;
- a mutilação, por razões religiosas ou sociais, foi e ainda é frequente em diversas regiões do nosso mundo;
- a venda de crianças era legal: ainda no séc. XII, Teodoro, Arcebispo de Cantuária, decretou que um filho só podia ser vendido como escravo a partir de sete anos; na Rússia, esta prática só foi proibida no séc. XIX;
- a entrega e/ou abandono de crianças a amas vem desde o Código de Hamurabi e da Coluna Lactária  de Roma até ao séc. XVIII em que as mães burguesas não gostavam de ser “vacas leiteiras” e “era chique ter uma ama em casa e não era chique parecer amar demasiado os filhos”;
- o trabalho infantil e violências decorrentes na indústria nascente na Inglaterra de fins do  séc. XVIII constituem a matéria prima dos romances de Charles Dickens e continuam hoje a alimentar a indústria de países emergentes;
- os meios actuais de comunicação social relatam, cada dia, episódios do abandono dos filhos na rua, do recrutamento de crianças-soldados, dos submundos de tráfico da droga, dos horrores da pedofilia, dos raptos para alimentação de bancos de órgãos humanos.
O horror do uso e abuso de crianças, tratadas como “coisas” ao serviço de “pessoas”, continua a desfilar, assim, perante os nossos olhos.

  “Toda a educação consiste em impor... “
Consideradas como “coisas” e não como seres vivos capazes de crescer e chegar por elas próprias àqueles “modos de ver, de pensar, e de agir”, a educação das crianças só poderá obter-se impondo-lhes tudo isso, normalmente através da violência:
- um texto sumério-babilónico relata que o aprendiz de escriba era castigado várias vezes por dia;
- outro texto egípcio recorda que “as orelhas do adolescente chegam até às costelas”, de tanto serem puxadas;
- na Grécia e nas escolas comuns, Marrou regista que imperava uma “pedagogia sumária e brutal”;
- em Roma, o verbo estudar andava associado ao manum ferulӕ subducӗre (estender a mão à palmatória) e o poeta Horácio rotulava o seu professor Orbílio de “O Espancador”;
- Sto Agostinho, nas Confessiones , recorda como “a criança pequena que eu era pedia-Vos, Senhor, com um fervor que não era pequeno, para não ser batido na escola”;
- em tempos do Renascimento, Robert Estienne, no seu Thesaurus Linguӕ Latinӕ, definia a criança como “um ser em que é preciso bater…” Nos colégios Jesuítas, havia um “Padre castigador”;
- já no séc. XVII, a história refere que Luis XIII de França, “aos 25 meses, começaram a açoitá-lo sistematicamente, muitas vezes despindo-o […]. No dia da sua coroação, com 8 anos, foi açoitado”;
        - os historiadores relatam que, até aos tempos recentes, a “punição era considerada como indispensável para obter, ao mesmo tempo, a disciplina escolar e os progressos no estudo”.

A caminho do reconhecimento da dignidade e dos direitos da criança
Verificamos assim, nos quatro parágrafos anteriores, como a ideia de educação ainda vigente há apenas 100 anos, dependia das estruturas dos tipos de sociedade e de família dominantes no longo período histórico anterior.
Por parte da sociedade, a estrutura era marcada pela separação entre as classes sociais no que respeita ao tempo livre de que apenas dispunham os homens livres, ou, mais tarde, à actividade estritamente intelectual, estudo, em que aquele tempo livre era ocupado pelos filhos dos mesmos homens livres.
No que respeita à família, os historiadores têm feito notar que a “família antiga”, daqueles tempos difíceis orientados para a pura sobrevivência, “não tinha função afectiva” e que a consciência da particularidade infantil, “que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem, essa consciência não existia”.
Na família romana só o pater-família era sui juris e detinha o poder absoluto sobre tudo o mais (alieni juris), com designação própria em cada caso: manus sobre a esposa, pátria potestas sobe os filhos, dominica potestas sobre os escravos, dominium sobre os bens móveis e imóveis. A pátria potestas sobre os filhos, também denominados nepotes (destituídos de poder), era absoluta, incluindo o jus vitӕ necisque (direito de vida e de morte).
Esta mentalidade da família antiga, “sem função afectiva”, entendida como monarquia absoluta, “um conjunto de pessoas sujeitas ao poder de um só” (Ulpiano, séc. III), embora totalmente desacreditada pelo cristianismo e o poder político que se lhe vai ligar (o Imperador Constantino, no séc. IV, equiparou o jus vitӕ necisque ao parricídio), continuará a resistir durante a Idade Média (recordar, como exemplo, a incrível organização, no séc. XIII, sob os auspícios do Papa Inocêncio III, da cruzada com um exército de 20.000 crianças para conquistar Jerusalém) e até à Idade Moderna avançada (ainda prevalece no teatro de Moliére, séc. XVII).

Por outro lado, já a partir das civilizações grega e romana mas de maneira decisiva a partir do Cristianismo, constatamos uma progressiva melhoria do clima social e cultural que permite a emergência do “sentido de infância”:
- na Grécia, desde Eurípedes (“ricos e pobres amam os seus filhos”) a Platão (“o homem livre não deve aprender nada como escravo”) e a Plutarco (“os castigos corporais são indignos de homens livres”);
- em Roma, de Juvenal (“maxima debetur puero reverentia”) a Plínio o Jovem (“usa a tua autoridade paternal sem esquecer que és homem e pai de um homem”) e a Ulpiano (“o poder paternal deve consistir em ternura e não em crueldade excessiva”);
- na Idade Média a partir da  evocação franciscana do Natal e do culto do Menino Jesus e, a seguir, através da adopção do vestuário próprio das crianças, e ainda do lugar que lhes é atribuído na produção artística, no centro de retratos de família (Rubens e Van Dyck) ou em separado os filhos da nobreza (Velasquez) ou os filhos do povo (Murillo), ou ainda nas inúmeras formas de anjo-criança-nua (putto)  das talhas douradas do barroco.
- nos séculos modernos através da reacção contra a violência escolar por parte de homens como Erasmo, Vives, Rabelais, Coménio, Montaigne que aconselhava agir “com uma severa doçura, não como se faz nos colégios” e Rousseau que reagia contra “essa educação bárbara que sacrifica o presente a um futuro incerto”, e aconselhava, no Emilio: “ama a infância, favorece os seus jogos, os seus prazeres, o seu amável instinto”.
Entretanto vai mudando também a maneira de ver a criança no plano Jurídico: considera-se que o antigo “poder paternal era apenas em função da debilidade da criança” (Rousseau), afirma-se que os direitos dos pais “são limitados pelas necessidades da criança” (Enciclopédia), fala-se dos direitos dos esposos, dos pais e dos filhos” (Revolução Francesa), o pater-famílias dá lugar ao “bom pai de família” e a potestas é contrabalançada com a pietas.
No séc. XIX desenvolve-se o conhecimento da criança, a pediatria (1872) e aparecem, curiosamente depois das Sociedades Protectoras dos Animais, as Sociedades Protectoras da Infância (1895).
Chegamos assim à transição para o séc. XX, designado no título do livro de Ellen Key (1900) “O século da criança” e ao eclodir da revolução da “Escola Nova” como primeiro passo para o novo paradigma da educação de infância.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Linguagem da Educação: das palavras ao conceito



Comunicamos através da linguagem. Tanto melhor quanto mais transparente se torna o sentido do vocabulário utilizado. Pelas palavras chegamos ao conceito, e pelo conceito julgamos as palavras. Nesta situação, na sequência de quanto escrevemos até agora e no que diz respeito à linguagem da educação, impõe-se atender a quatro princípios básicos.
- Clarificação. Na crise actual do Acordo Ortográfico, a privilegiar a tradição escrita de base fonética à custa da base etimológica, a semântica das palavras vem-se diluindo e perdendo. Importa recorrer aos étimos, “os nomes verdadeiros das coisas segundo a sua origem”.
- Rectificação. O vocabulário da educação não se encontra confinado ao subsistema escolar, nem sequer centralizado nele em termos de ensino e aprendizagem, mas nasce, cresce e institucionaliza-se no ambiente familiar onde os pais são os primeiros educadores.
- Actualização. A partir de meados do século XX, o vocabulário da educação transborda da infância (família) e da adolescência (escola) e passa a abranger os processos de educação de adultos, educação ao longo da vida, educação comunitária, educação ecossistémica.
- Aprofundamento. No actual momento histórico e através das crises que o vêm marcando, andamos a rever o nosso conceito de educação e a tomar consciência de que se trata de um processo que nos envolve desde o princípio até ao fim da existência e nos revela que tudo recebemos (viver), que tudo devemos (saber) e que tudo temos de pagar, dar (amar).
Nestas condições, em ordem a clarificar a relação que mantêm com as três vertentes do conceito educação e a partir dos seus étimos remotos, revisitemos três palavras que se encontram no centro dos principais núcleos - receber, saber, amar -  da ampla galáxia de lexemas que integram a linguagem educacional: dignidade humana, pedagogia, educação.

Dignidade humana
A Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma, no início do Preâmbulo, que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana […] constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz do mundo”, por outras palavras, se encontra na base do Reino dos Valores.
-      A palavra dignidade, “qualidade do que é grande, nobre, elevado”(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa),
-      recebida do lat. dignus, que traduz o ”carácter ou qualidade daquele que é (e, por analogia, daquilo que é) digno, ou seja, como convém e que, por isso, merece aprovação ou mesmo respeito” (Foulquié,  Dictionaire de la Langue Philosophique),
-     relacionada com o lat. decet, “que é conveniente, está conforme” e, por isso,  “tem a ver com decoro, decência(Dicionário da Academia da Ciência de Lisboa),
-     deriva da raiz do indo-europeu *IE Dek-, variante Dak-, “receber” (Álvaro Gomes, Héuresis), e encontra-se na origem de uma galáxia de lexemas, muitos dos quais constituem um  núcleo relevante do vocabulário educacional.
Com efeito, desta raiz *IE Dek-, Dak-, “receber”, através quer do grego quer do latim, recebemos, em português, variados lexemas, de entre os quais podemos destacar:
- através do grego, didáctica e didascália, dogma e dogmático, doxa, ortodoxo e paradoxo, etc.
- através do latim, digno e dignidade, decência e decoro, documento, doutrina, docilidade, douto e doutor, docente e docência, discente e discência, discípulo, disciplina, etc.
Verificamos, assim, que a “dignidade inerente a todos os membros da família humana”, à qual tantas vezes apelamos quando a sentimos afrontada em nós próprios e/ou nos outros e que traduz tudo aquilo que radicalmente somos, não é fruto de mérito ou conquista, mas é algo que, pura e simplesmente, recebemos.

Pedagogia
Trata-se de uma palavra que, ao longo da história, vem sendo objecto de grandes metamorfoses. Nasce na Grécia, difunde-se em Roma, recupera importância nos últimos séculos, vê ampliado o sentido na segunda metade do século XX e é hoje objecto de profunda transformação   
- Na Grécia, o conceito de educação girou sempre ao redor da palavra paǐs, dós, “filho, filha, criança”, de onde derivam: por um lado, paideusis, eos, ”acção ou resultado de instruir as crianças, educação, instrução”, enkúklios paideia, “ensino circular, panorâmico” (do género que Aristóteles ministrou ao seu discípulo Alexandre e, no século XVIII, reaparece na palavra enciclopédia), Paideía, as, “educação, instrução, cultura geral do espírito” que acabou por dar o nome a todo o período histórico da brilhante civilização helenística (Jaeger), além de paidofilia, etc.; por outro lado, aparece também paidagogós, oû, “escravo que conduz as crianças à escola” e paidagogía, as, ”direcção ou educação das crianças”, por extensão “cuidados que se prestam a um ser vivo (planta, animal, ser humano) “ ou ainda “educação em geral”.
- Em Roma, o latim não recebeu o substantivo paideía nem o substantivo paidagogía, mas apenas alguns derivados deste último como Paedagogus, i, “o que acompanha meninos à escola” e depois “preceptor, mestre, guia, director, aio”, paedagogium, i, “lugar onde se educam os escravos” e depois “ escola, instituição”, etc.
- Ao longo da história ocidental, a palavra pedagogia, “condução das crianças”, mantem-se mais ou menos adormecida e é recuperada em força, no sentido de “jeito, arte, ciência e, no limite, teoria da educação”, pelos teóricos da Escola Nova (Decroly, M. Montessori, Dewey, Kerschenteiner, Ferrière, Freinet, etc.).
- A partir de meados do séc. XX e em consequência das ampliações sofridas pelo conceito de educação (de adultos, ao longo da vida, comunitária, ecossistémica), a palavra pedagogia revela alguma tendência para ser substituída por outras, pelo menos à primeira vista mais apropriadas a estes novos horizontes de educação, como andragogia, antropagogia, comunitagogia ou demagogia (no sentido positivo) e mesmo pantagogia.
- Hoje, de acordo com a perspectiva de que tudo recebemos, a começar pela vida, tudo devemos e tudo temos  de pagar, e ainda de acordo com a metodologia do recurso aos étimos, procuramos ir mais longe. Remontando do étimo grego, pais, dos, “criança” e do étimo latino paralelo puer, ri, (também “criança”, donde vem, em português pueril, puerícia, puericultura, etc.) ao étimo do indo-europeu *IE Pu-, “pequeno rebento de planta”, “pequena cria de animal”, que poderíamos sintetizar em ”rebento de vida”, e se remontamos ainda do étimo grego agein, “conduzir” ao étimo indo-europeu *IE Ag-, “levar diante de si, empurrar”, encontramos o sentido de “empurrar a vida”.
Chegados a este resultado, começamos a compreender o que devemos fazer com a vida que recebemos ao nível ou na categoria de dignidade humana: empurrá-la para a frente em ordem a atingir a finalidade que lhe está inerente e que a radiografia da palavra educação vai ajudar-nos a identificar.

Educação
Revisitemos agora, mais detalhadamente, a palavra educação e o vocabulário que dela deriva.
Da raiz do indo-europeu *IE Deuk-, variante Duk-, “conduzir, guiar, liderar”, através do verbo latino duco, is, ӗre, “levar, transportar, puxar sem descontinuidade” e, partindo dele e a par de muitos outros verbos compostos que envolvem a ideia de “conduzir” em determinada direcção, como producӗre (“para a frente”), reducӗre (“para trás”), deducӗre (“de cima para baixo”), inducӗre (“de baixo para cima”), seducӗre (“de fora para dentro”), etc., encontramos três verbos directamente relacionados com o conceito que nos propomos estudar:
- conduco, is, ӗre, ”conduzir junto, reunir, guiar”, através do qual recebemos, em português, conduzir  e condução;
- educo, is, ӗre, “conduzir para fora, extrair”, através do qual recebemos, em     português, eduzir e edução (cultismos raros);
- edῠco, as, are (verbo divergente, já não na terceira mas na primeira conjugação), “alimentar, nutrir, amamentar”, através do qual recebemos, em português, educar e educação.
Deparamos assim com três verbos que exprimem três dimensões complementares do conceito actual de educar:
- o mais próximo, educar (de edŭco, as, are), no sentido de “alimentar, nutrir, amamentar”, praticamente ausente na teoria dos pedagogos, é omnipresente na prática educacional dos pais cuja preocupação, desde o acolhimento ao recém-gerado é “nutrir” no seio da mãe, ao recém-nascido é “amamentar” oferecendo o bico do seio e, a seguir, lançando mão de todos os recursos do universo ambiente, é assegurar o “sustento” e “criação” das “crianças”; e isto não apenas no que diz respeito à nutrição do corpo, mas a tudo o mais (“para que não lhes falte nada”, costumamos dizer): habitação e vestuário, prestação de cuidados, ambiente de afecto, carinho, ternura e amor;
- o intermédio, eduzir (de edūco, is, ěre) no sentido de “ conduzir para fora, extrair”, tradicionalmente o mais invocado pelos pedagogos, prevalece nas preocupações do sistema escolar vigente que, através do processo ensino-aprendizagem, procura levar os alunos a traduzirem em acto as suas potencialidades, a crescerem, particularmente na dimensão cognitiva de apreender, aprender, compreender e, para além dela, sempre que o professor é também educador (“enquanto ensina, educa”, O. Reboul), em todas as outras dimensões, física, emocional, social, cultural, ética, religiosa;
- o mais remoto, conduzir (de duco, is, ĕre) é universalmente conjugado por aqueles que, aos olhos do educando e para além dos pais na função de defender, orientar e guiar os filhos, são portadores do sinal mais (lat. magis) ou seja os mestres (lat. magistri) que sabem apontar, nalgum dos variadíssimos sectores da existência, com a palavra ou com o exemplo, os caminhos da realização humana.

Podemos ainda verificar que, já na língua latina e em cada um dos três campos referidos, a semântica dos três verbos se ampliava extraordinariamente a outras áreas de existência, denunciando a integração do processo educativo no contexto da vida humana e de toda a realidade. Com efeito:
- ligados ao verbo educare, “nutrir”, deparamos, na economia, com os lexemas edῡlia, “alimentos comestíveis” e edῡlis, “o que é bom para comer” e, na religião, com Educa  (ou Edῡlǐca ou Edῡsa), “divindade que olhava pela alimentação das crianças”;
- ligados ao verbo educӗre, “eduzir”, encontramos sentidos referentes ao acto de “extrair a espada da bainha” ou “o feto do ventre da mãe”, ou aos trabalhos de aclimatação das plantas, adestramento dos animais, aculturação dos humanos;
- derivados do verbo ducӗre (e primitivo ducāre) aparecem lexemas como, em italiano, duca, duce, doge  e, em português, duque e  ducado, nas áreas do comando militar  ou da  condução política.

Por ouro lado, no conceito actual de educação, essas três dimensões aplicam-se também, para além da infância e da adolescência, na vida adulta (educação de adultos) e, consequentemente, ao longo de toda a existência individual (educação ao longo da vida) e colectiva (educação comunitária), tendo em conta os condicionamentos que nos impõe o ecossistema (educação ecossistémica).
- Assim, o provimento da alimentação (educare), no sentido amplo acima apontado, estende-se a todos os membros da família humana, a começar pelos mais carenciados, deficientes, pobres e idosos até ao termo dos seus dias, e exige o respeito pelo universo ambiente que nos proporciona os recursos.
- Por outro lado, o percurso de crescimento e desenvolvimento das crianças e adolescentes, iniciado na família e prosseguido na escola (educĕre), no sentido global acima referido, prolonga-se em toda a existência dos adultos, nas modalidades de alfabetização funcional, formação contínua, reconversão profissional e enriquecimento constante proporcionado pela investigação e desenvolvimento científico.                            
 - Finalmente, a responsabilidade dos pais e mestres na condução (ducӗre) para o Mundo dos Valores, estende-se aos responsáveis por grupos e comunidades humanas, designadamente aos chefes políticos, mas, entre estes, não aos que se arrogam o título de “condutor” (Duce) ou equivalente (Fürer, Grande Timoneiro, Grande ou Querido Lider) e agem pelo endoutrinamento, dominação e domesticação, procurando “levar tudo pela frente” (*Ag-, “empurrar”) como vimos acima ao falar de estratégia, mas aos eleitos e reconhecidos como Mestres Maiores (lat. Majores) que “caminham à frente de todos ” (Deuk-, Duk-, “liderar”) e conduzem pelo exemplo: amigos do saber ou filósofos na teoria não concretizada da República de Platão, sábios na prática milenar do Mandarinato introduzida por Confúcio no Império da China.
     
Começamos, assim, a descobrir que a educação, no seu conceito integral, tem a ver com todos os campos da existência humana enquanto processo de
- rentabilização e gestão de todas as coisas do universo no sentido de criar condições ;
- para que todos os membros da família humana cresçamos  em todas as dimensões;
- até atingirmos a plena realização, como pessoas, no Mundo dos Valores.
Ou, simplesmente, utilizarmos todos os meios (Economia) para crescermos (Cultura) até nos realizarmos (Ética).
E verificamos ainda, no horizonte em que nos propomos trabalhar neste blogue, que se trata de lançarmos mão de tudo o que recebemos, de tomarmos consciência de que tudo devemos e de nos esforçarmos por tudo pagarmos (retribuirmos, darmos, amarmos).   
As três dimensões do verbo educar correspondem, assim, às três dimensões da nossa existência a que vimos dando relevo: viver na abrangência de tudo o que recebemos, saber na tomada de consciência de que tudo devemos, amar no esforço que nos é solicitado para darmos e deste modo, saldando essa dívida, nos integrarmos no círculo do Mistério do Todo.

Mas acontece que este vocabulário nuclear da educação, nas duas primeiras dimensões, educare (alimentar) e educӗre (crescer), é ampliado e enriquecido por palavras recebidas de outros étimos, desta vez no âmbito das línguas europeias.
Com efeito, da raíz Europ. Al-, variante Ol-, que envolve a ideia geral de “alimentar”,
- pela variante Europ. Al-, e através do verbo lat. alo, is, alǐtum ou altum, ӗre, “alimentar”, recebemos em português alimentar, aluno (originariamente o escravo nascido e alimentado em casa do seu senhor) e ainda, a partir do supino altum, recebemos alto e altura, alteza e altivo e altivez, altar e exaltar, realce e realçar, etc.;
- pela variante Europ. Ol- e através do verbo lat. adolesco, is, ēvi, ultum, ӗre, “crescer”, recebemos, em português, adolescente (que cresce) e adulto (crescido), assim como prole e proletário, proliferar e índole, etc.                                                        
Por outro lado e a partir da raíz *Europ. Kre-, que envolve a ideia de “crescer desenvolver-se, abrir caminho”,
- através do lat. creo, as, avi, creatum, are, “criar, tirar do nada, gerar, fazer crescer e crescer”, vem, por um lado criação  do nada e criatura, por outro lado criação no sentido de desenvolvimento animal e humano, criança, boa ou má criação, bem criado, malcriado, etc.;
- através do lat. cresco, is, crevi, cretum, ӗre, “crescer”, vem crescer e crescimento, crescente e crescido e ainda outros lexemas como Ceres (deusa do crescimento),  cereal, concreto, recruta, etc.

Dando ainda um passo mais, verificamos que outros verbos de utilização privilegiada e intensiva na existência humana e que, nos últimos séculos do Mundo Ocidental, têm sido, diríamos, raptados pela cultura dominante de tipo racionalista e iluminista, se radiografados também à luz dos respectivos étimos, revelam a mesma tríplice dimensão que acabámos de descobrir no verbo educar.
É o caso, por exemplo, dos verbos raciocinar, pensar, cogitar, meditar.
Em todos eles, tomando como referência as três dimensões da palavra educar e os três núcleos do nosso estudo (viver, saber e amar), a partir das suas matrizes latinas ou indo-europeias, verificamos que o âmbito da respectiva semântica, longe de se encontrar confinada á área dos mecanismos do conhecimento (crescer para saber), estende-se também á área precedente da satisfação das necessidades da vida (alimentar para viver) e ainda à área subsequente das exigências da relação inter-pessoal (conduzir para amar).
Vejamos cada um deles, nas três vertentes que acabamos de mencionar.

Raciocinar. Da raíz latina Re-, ideia geral de “contar”, através do verbo rӗor, rēris, rătus sum, rӗri, “contar, calcular, pensar, julgar” e do substantivo ratio, onis, “conta, cálculo, relação, plano, razão”:
- pelo radical culto rat-, recebemos, em português, ratear  e rateio e pelo rad. vulgar raç-, recebemos racionamento  e ração no sentido de porção de alimento que, na devida proporção, se distribui aos animais ou aos humanos;
- pelo radical semi-culto rácio(n)-, temos racional e raciocínio e pelo radical vulgar raz- , temos razoável e razão no sentido de capacidade de raciocinar;
- pelo radical  vulgar raç-/rac-, temos raça, no sentido de estirpe, casta, e os seus derivados racial, rácico, arraçado, etc.

Pensar. Da raiz latina Pend- e pelo verbo pendo, is, pependi, pensum,  ӗre, com o sentido geral de “pender, suspender, estar suspenso”:
- a partir do supino pensum, temos em português penso no sentido de provisão de alimentos para o sustento de animais ou de humanos, que sempre representa despesa ou dispêndio e, no caso dos humanos, é guardado na despensa pelo despenseiro e distribuído no dispensário; temos ainda pensão no sentido de “renda, abono, pagamento”  fornecido aos pensionistas  (reformados, filhos menores, estudantes, necessitados) por vezes nos pensionatos, ou ainda pensão no sentido de pequena casa de alojamento ou hotel onde se come e se dorme;
- a partir do mesmo supino pensum e agora através do verbo frequentativo penso, as, āvi, atum,  āre, que significava, no latim clássico pesar e no latim tardio pensar, recebemos em português: do latim clássico e pela via da língua vulgar, pesar no sentido de verificar o peso de uma realidade material ou de mencionar o seu  pendor, pendão, propensão, pendência, apêndice, etc.; do latim tardio e pela via da língua erudita, pensar no sentido de submeter as imagens mentais ao processo de raciocínio lógico, de organização, de reflexão, de ponderação, que deu origem, dentro da História da Cultura, à dimensão da História do Pensamento e dos Pensadores;
- ainda a partir do mesmo supino pensum, para além do sentido anterior e agora provavelmente por contaminação com os verbos cogitar e cuidar (ver mais abaixo) e no sentido de “ponderar bem como”, “tratar convenientemente de”,  encontramos:
- na dimensão da vida corporal e na linha do latim tardio, o substantivo penso
            na acepção de cobertura antisséptica protectora de um ferimento ou     incisão cirúrgica (penso rápido) ou de uma parte íntima do corpo humano (penso higiénico);
         - na dimensão da vida emocional e afectiva e na linha do latim clássico, perante um acontecimento doloroso ou extremo como o falecimento de alguém, somos levados, perante os familiares, a “apresentar o nosso pesar ou os nossos pêsames”.

Cogitar. Da raiz do *IE Ag-, ideia geral de “empurrar”, recebemos na língua portuguesa galáxias de lexemas ao redor de centros como acção e actividade, agitação e exigência, exiguidade e ambiguidade, exame e exactidão, etc.
Em relação com as três dimensões do verbo educar:
- através do verbo lat. cogo, is, ӗre, “empurar, constranger, juntar, colher” e na linguagem rural, recebemos  os verbos coagular e coalhar  (referentes à solidificação do sangue ou de um alimento essencial como é o leite);
- através do verbo lat. cōgito, ās, āre, “pensar, reflectir, meditar, agitar no espírito, remoer no pensamento” (“cogito, ergo sum”, Descartes),  encontramos as palavras referentes à actividade mental contida em todos esses verbos;
- mas ainda através do mesmo verbo lat. cōgito, ās, āre,  “cogitar, pensar, ponderar, meditar com ponderação”, recebemos em português o verbo cuidar  no sentido de procurar que tal acto seja “submetido a rigorosa análise, meditado, ponderado” (“tenha muito cuidado!”) e o substantivo cuidado, no sentido de “zelo, desvelo que se dedica a alguém ou a algo”, de “prestar cuidados”, tarefa  hoje especialmente atribuída à profissão de enfermagem.

Meditar. Da raiz*IE Med-, que envolve também a ideia geral de “pensar, reflectir” e, por extensão, de “dedicar-se a qualquer exercício físico ou intelectual”, “exercitar-se, estudar, ensaiar um papel”:
- através do verbo grego médō, “medir, regular” e da sua forma medŏmai, “ocupar-se de, preocupar-se com, pensar em, meditar”, vem Medusa, “aquela que medita”, uma das três Górgonas;
- através do verbo latino medǐtor, āris, āri, recebemos em português meditar  no sentido corrente de “ ponderar, amadurecer uma ideia”;
- através do verbo latino medӗor, ēris, ēri, “ocupar-se de, dispensar cuidados a, tratar”, recebemos medicar e medicina, médico, medicamento e mezinha, remediar e remédio, etc., ou seja, todo o vocabulário essencial das profissões médica e farmacêutica.

Em resumo, diremos que o verbo educar, no tríplice sentido de alimentar (educare), ajudar a crescer (educӗre) e conduzir (ducӗre), deverá ser conjugado em ligação com os outros verbos acabados de mencionar, de tal modo que toda a intervenção educativa, quer sobre o adolescente em fase de crescimento quer sobre o adulto considerado já crescido, seja processado não cegamente ou à toa, mas, bem pelo contrário e dentro das contingências da vida e condições do ambiente, de maneira racionada e raciocinada, pesada e pensada, cogitada e cuidada, meditada e medicada.
Para isso, os educadores por natureza ou profissão, deverão recorrer aos profissionais de outras áreas, professores, psicólogos, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, agentes da técnica, da ciência, da cultura, da ética, da arte, da religião, e não apenas nas crises da saúde ou em momentos de desastre, cataclismo ou calamidade pública, nem apenas para ajudar os que sofrem de desvio dos padrões normais de desenvolvimento resultantes de raiz genética, de acidente traumático ou de condição económica, social ou cultural, mas em todos os momentos e situações do percurso de desenvolvimento humano.

Finalmente e nesta perspectiva mais ampla, as três vertentes do verbo educaralimentar, eduzir, conduzir – poderão e deverão estar ao serviço das três metas da educação -  viver, saber, amar – na sua sequência verdadeira e completa.
Com efeito de acordo com as conclusões a que chegámos anteriormente sobre a meta final da educação e a estratégia para lá chegar, não podemos deixar-nos ficar reféns de mentalidades redutoras e erradas, amplamente difundidas no mundo de hoje, porquanto:
-se atendemos apenas a viver e acaso apenas preocupados com deter e reter o que recebemos ou até aumentar esse valor à custa do que receberam os outros, como anda acontecendo em muita actividade económico- financeira, ficamos limitados à perspectiva economicista de viver; receber e viver não é o todo, mas apenas o ponto de partida para ir mais longe;
- se atendemos apenas a tomar consciência ou saber em que situação nos encontramos e como funciona todo o mecanismo da vida e do universo, como acontece em boa parte no sub-sistema escolar da ciência e da investigação, a situação já  melhora, mas ainda ficamos a meio, reféns da perspectiva iluminista do saber; ficar-se em procurar saber o quê e o como no domínio prático ou o porquê e o para quê no domínio teórico, não vai além do meio caminho; é preciso saber o que devemos fazer para chegar até ao fim;
- só quando, pela acção, procurarmos retribuir, pagar, amar, estaremos a atingir o pleno da realização pessoal e, no contexto da família humana de que fazemos parte, contribuir pessoalmente para a realização da inteira comunidade.

 Nesta previsão, Viver, Saber, Amar, passam a ser os três temas a desenvolver na continuação deste Blogue.
                                                                                                                                  

sábado, 31 de dezembro de 2011

Educação: Questões de Metodologia 4

                                                A adopção de uma estratégia clara

Se a educação tem a ver com o essencial das nossas vidas, se nas experiências que o viver nos proporciona ficamos a saber que recebemos tudo e, por isso, devemos tudo, e só quando damos tudo atingimos a meta que é o verbo amar, se a bibliografia acaba de nos revelar tantas e tão diversas vertentes do caminho a seguir, impõe-se agora, antes de entrarmos propriamente no tema, definir a estratégia  que nos permita, no fim do caminho, chegar à meta. Qual a  estratégia para atingirmos a verdadeira meta da educação?

Comecemos pela clarificação da linguagem.
Estratégia, em grego stratós, -oũ, “exército” + ágō, “conduzir”, designava a função atribuída ao estratego ou Chefe Militar de Atenas (Pretor ou Cônsul de Roma) na “condução do exército”, obviamente para alcançar um determinado objectivo  (defesa, ataque, vitória, conquista).
Aproximando-nos do tema educação, encontramos uma palavra de estrutura paralela: pedagogia, em grego pais, -dos, “criança” + ágō, ”conduzir”, que significava a função atribuída ao pedagogo ou escravo encarregado de conduzir a criança no caminho entre a casa e a escola.
Acontece que, remontando da etimologia grega às matrizes indo-europeias, o substantivo grego pais, -dos (como o latim puer, -ri, donde recebemos em português, puérpera, puerícia, puericultura, etc.), procede da raiz *IE Pu-, “rebento de vida”, e o verbo grego ágō procede da raiz *IE Ag-, “empurrar, impelir, levar tudo pela frente”, referindo-se às coisas (as crianças também eram, de algum modo, assim consideradas).
Por outro lado e remontando também à sua matriz indo-europeia, verificamos que educação procede da raiz *IE Deuk-, Duk-, que envolve o sentido geral de  “conduzir, guiar, liderar, ir à frente de todos”, falando dos seres humanos.

Assim, em rigor, impõe-se distinguir entre os sentidos de * IE  Ag-,  e * IE Deuk-, Duk-, entre “ levar tudo pela frente” e “andar à frente de todos”, entre “empurrar” e “conduzir”, entre “estratégia” e “liderança”. A estratégia refere-se à mobilização das coisas (meios, recursos, instrumentos), enquanto a liderança tem a ver com a condução das pessoas.
Mas já na linguagem dos gregos, a partir do deslizamento de sentido da raiz indo-europeia *IE Ag-, “empurrar” para o verbo grego + ágō,  “conduzir”, as duas funções aparecem ligadas e complementares.
Com efeito, considerava-se que o Estratego da antiga Atenas, após definir bem o seu objectivo militar, empurra o exército, como máquina monstruosa integrada por todos os meios de que dispõe contra o inimigo, caminhando à frente  dos seus homens. Por outras palavras, o mesmo General mobiliza (empurra) todos os meios logísticos e comanda (conduz) as suas tropas, arrasta as coisas e dá exemplo aos homens.
Neste sentido, também hoje, ao definirmos educar como “rentabilizar todas as coisas enquanto condições para que todos os seres humanos cresçam em todas as dimensões até à sua plena realização nos valores”, consideramos que se trata de pôr em movimento tudo e todos, as coisas e as pessoas, todas as coisas ao serviço das pessoas e todas as pessoas a crescerem para os Valores.
Pois é aqui, ao nível dos Valores axiais que temos encontrado – Viver, Saber  e Amar – mais concretamente no âmbito da sua sequência e hierarquia, que podemos descobrir a meta da educação e definir com rigor a estratégia adequada para lá chegar.
Verificamos que educar não visa apenas e menos sobretudo, ao nível do viver ou sobreviver nos campos da produção e gestão económico-financeira, rentabilizar o que recebemos e legal ou ilegalmente adquirimos  para satisfazer as necessidades e gostos de ordem material, para enriquecer e/ou ganhar estatuto social.
Educar também não visa apenas e menos sobretudo, ao nível do saber nos planos do subsistema escolar, da investigação científica ou da promoção cultural, procurar que os seres humanos cresçam no conhecimento, para angariar maiores recursos, compreender os mecanismos da existência pessoal e colectiva, descobrir e  interpretar racionalmente os segredos da existência, da vida e do universo.
Com efeito, para além desses dois patamares, educar é também e sobretudo avançar até ao nível do amar, nos planos ético (dignidade, verdade, liberdade), religioso (tomar consciência do nosso lugar no Universo) e místico (sentir o eu dentro do nós dentro do Todo, que para nós é Mistério).

Deste modo, tendo em conta que em todos os sistemas de Valores de todos os campos do nosso viver, a regra de transações estabelece ser próprio de quem recebe saber que deve dar, de quem se recebe saber que deve dar-se, de quem se recebe todo saber que deve dar-se todo, e que estes movimentos recíprocos constituem a diástole e a sístole do verbo amar, podemos constatar que a verdadeira estratégia do processo educativo será aquela que tudo mobiliza, coordena, dispõe e orienta, para atingir a meta final.
E a verdadeira meta final da educação
                                                               nem é viver melhor
                                                               nem é saber mais,
                                                               mas amar sem limites.     

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Educação: Questões de Metodologia 3

                               O recurso a uma bibliografia aberta

Numa investigação, assume importância a bibliografia consultada.
Tratando-se de pesquisa sobre a Educação e porque ela, de algum modo, atinge todos os campos da existência, impõe-se recorrer a uma bibliografia aberta, que acolha todos os autores (da raiz indo-europeia *IE Aug-, “aumentar”) revestidos de autoridade para augurar, auxiliar, aumentar a nossa capacidade de abordagem, aprofundamento e compreensão do tema.
Mais concretamente, importa recorrer:
            -a todos os que escreveram sobre educação e, como escritores, nos legaram as suas obras;
- mas também a todos aqueles que, nada tendo escrito (por ex. Sócrates e Jesus), souberam falar (da raiz *IE Bha-, que envolve sentidos de luz e de falar) e assim se transformaram em epifanias de luz nos caminhos da vida, como os pais para os filhos e os pedagogos para os alunos, ou se tornaram profissionais da palavra, desde  os  professores aos profetas;
- e ainda a todos aqueles que, nesta função de educar, acabaram por se revelar os mais ou os maiores (lat. magis), a merecerem o nome de mestres (lat. magister);
- e, finalmente, a todos aqueles que, sofrendo de afasia ou incapacidade de falar, acabaram apenas mugindo (da raiz onomatopaica mu- “fechamento dos lábios”, da qual, através do latim mutus, recebemos a palavra mudo e, através do grego múō, “fechar os olhos ou a boca”, recebemos as palavras místico e mistério).

Constitui certamente uma surpresa podermos verificar, nesta amálgama de situações, que a cada nível de maior dificuldade de expressão, parece corresponder um nível de maior aprofundamento do tema.
Ensaiemos a abordagem dos diferentes tipos de autores, pela ordem crescente de aprofundamento sobre o que é educação: professores, educadores, artistas, mestres, profetas e místicos.

A.      Os Professores.

São comummente aceites como os principais actores e autores da educação, enquanto:
profissionais de saber falar, nas aulas das instituições de ensino, sobre as diversas matérias de aprendizagem dos alunos;
- cientistas, pela razão de terem sido formados nas instituições de ensino superior, de acordo com os métodos científicos adequados;
- especialistas, por serem considerados portadores de espírito científico e de competência pedagógica nas respectivas áreas.
Trata-se de uma situação totalmente positiva que importa manter e incentivar.

Mas, por outro lado, há que prestar a máxima atenção às transformações que, na ciência ainda marcada pela progressiva fragmentação em compartimentos estanques e pela pulverização desses compartimentos numa infinidade de especializações, vêm sendo
 - reclamadas por comentadores esclarecidos:

  “os nossos problemas são, cada vez mais, do foro global e admitem apenas soluções globais”, “os homens ergueram muros altos que separam os ramos do conhecimento essencial a esta demanda – as várias ciências, políticas, religiões, éticas” (Carl Sagan e A. Druyan);

- incrementadas pela intervenção poderosa de cientistas em diversas áreas: de A. Einstein a P. Dirac e W. Heisenberg nas Ciências Físicas, de Von Bertalanffy a E. Morin nas Ciências Sociais, de R. Jakobson a R. Barthes e N. Chomsky na Linguística, do grupo da História Nova dos Annales à equipa da História da Humanidade (UNESCO) na História, etc.;
- confirmadas nos resultados obtidos em diferentes sectores: após a emergência da teoria quântica, a Química integra-se na Física; as descobertas da Genética são arrumadas na Bioquímica; outras descobertas dão origem às teorias da Auto-Eco-Organização; a História tende a privilegiar a “compreensão do Anthropos” e a “inteligência das Culturas”; chega-se ao reconhecimento de que “a biblioteca da nossa própria formação hereditária, o genoma humano, revela-nos hoje que a Biologia é muito mais como a Língua e a História do que como a Física e a Química” (Carl Sagan e A. Druyan).
A tudo isto, importa ainda somar as eventuais deficiências de carácter educacional (ensinar é só uma parte de educar) e de carácter pedagógico (a normal ausência de trabalho em equipa, por parte dos professores, em ordem a proporcionar aos alunos a assimilação integrada das diversas matérias).

Entretanto, a par de todo o progresso na procura de uma visão global da realidade, prossegue, e bem, o desenvolvimento de cada ciência e o aperfeiçoamento dos respectivos especialistas. Nalgumas delas – Física, Economia, Medicina – alguns deles vêm merecidamente recebendo a distinção do Prémio Nobel. Com todo o respeito e simpatia pelos contemplados e na perspectiva acima registada de que “os nossos problemas são, cada vez mais, do foro global e admitem apenas soluções globais”, teremos no entanto de admitir que, em termos de bibliografia educacional, se trata dos autores maiores entre os mais pequenos.

B.      Os Educadores

Da raiz *IE Deuk-, Duk-, “conduzir, guiar, liderar”, diremos, numa primeira abordagem, que se trata daqueles que, conjugando esses verbos, caminham, pelo exemplo, à frente dos educandos.
Próximos deles situam-se os pedagogos cuja etimologia, remontando da tradicionalmente citada em língua grega (soma das raízes pais, -dos, “criança” + agein, “conduzir”) à indo-europeia (soma das raízes *IE Pu-, “rebento de vida” +Ag-, “empurrar”), envolve a ideia de que eles, levando pela mão os educandos, os conduzem e, se necessário, os arrastam e empurram nos caminhos da existência.
Em contraposição com as micro-perspectivas dos especialistas citados na alínea anterior, trata-se aqui do que poderíamos designar macro-visão dos generalistas, na ciência de criar todas as condições e procurar remover todos os obstáculos para que os educandos aprendam a discernir e trilhar o caminho de uma vida verdadeiramente humana.
Para isso, importa adoptar atitudes do género daquelas que E. Morin, depois de as adoptar no seu percurso pessoal, propõe a todos os educadores:
- a atenção a todas as dimensões do verdadeiro método;
- a exigência do pensamento complexo no que respeita a

“uma tomada de consciência radical: a causa profunda do erro não está no erro de facto (falsa percepção) ou no erro lógico (incoerência), mas no modo de organização do nosso saber em sistemas de ideias (teorias, ideologias), […] modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real” (Edgar Morin).

- os Sete Saberes para a Educação do Futuro que, no livro elaborado a convite da Unesco, resumiu deste modo: “as cegueiras do conhecimento (o erro e a ilusão); os princípios de um conhecimento pertinente; ensinar a condição humana; ensinar a identidade terrestre; enfrentar as incertezas; ensinar a compreensão; a ética do género humano”. 

É a posse desta sabedoria que distingue quem são os verdadeiros educadores, de acordo com a hierarquia universalmente aceite:
- no plano familiar, por natureza, os pais, universalmente reconhecidos (nº 3 do Art.º 26 da Declaração Universal dos Direitos do Homem) como, não uns mas os educadores dos seus filhos;
- no plano social, por vocação, os pedagogos, como colaboradores dos pais, incluindo nesta designação os professores que, na expressão  de Olivier Reboul, para além de ensinarem, “enquanto ensinam educam”;
- no plano político, e já desde os primitivos agrupamentos humanos, os patriarcas e todos aqueles que, sendo por conquista, por hereditariedade ou por escolha democrática colocados à frente dos povos, se puseram ao serviço das comunidades humanas como verdadeiros Pais da Pátria, desde o projecto, fracassado, é certo, mas generoso dos Filósofos na República de Platão, até à tradição milenária do mandarinato no Império da China.
- no plano social e nos dias que correm, muitos galardoados com o Prémio Nobel da Paz que, nas condições difíceis que atravessa o Mundo global de hoje, obtiveram jus a serem considerados verdadeiros exemplos para a educação da humanidade.

C.       Os artistas

É impressionante o facto de, nos alvores da civilização, os avanços técnicos virem sempre acompanhados de manifestações de arte que, simultaneamente, se constituem padrões do nível do desenvolvimento e da educação atingido pelos diversos grupos humanos. Mais significativo ainda é o facto de, nos séculos posteriores à invenção da escrita e em diversas áreas culturais, os escritores mais inspirados e criativos serem agraciados com o título de Educadores, como os Autores dos Velhos livros religiosos dos Avestas à Bíblia e ao Corão, Homero Educador da Grécia, Virgílio Educador de Roma e, desde Dante e Shakespeare, tantos Educadores de áreas culturais do Ocidente e de outra regiões do Mundo.
Mesmo em tempos de hegemonia da razão como o do iluminismo ocidental, já desde Pascal e por obra de Blondel, Nietzsche, Levinas e outros mais, o árbitro epistémico tendeu sempre a deslocar-se da instância da mera racionalidade, do conhecimento, do saber, da verdade, para algures na instância do além-razão, do sentimento, do querer, da liberdade, do afecto, do coração, dos valores, do bem.
E nos dias que passam, a partir de António Damásio e Daniel Goleman, com a descoberta do que se vem convencionando designar “os dois cérebros, duas mentes e dois tipos de esfera da inteligência, racional e emocional”, o registo de que “o cérebro emocional está tão envolvido no raciocínio como o cérebro racional”, chega-se à conclusão de que se

“o velho paradigma postulava um ideal da razão livre de qualquer constrangimento emocional, o novo paradigma incita-nos a harmonizar a cabeça e o coração” (D. Goleman).

É também neste contexto que, em rotura com a linha pragmatista de aceitação da verdade como correspondência linguagem-mundo, R. Rorty nos recorda a exigência da superação dos discursos literais por discursos metafóricos e ainda, perante a aceleração actual da mudança a que indivíduos, povos e culturas nos encontramos sujeitos, no que se refere a introduzir permanentemente vocabulários, linguagens e discursos novos, incita-nos a todos a aprofundar a arte de reinterpretar, redescrever e reconstextualizar o mundo. E àqueles que se mostram capazes deste esforço dinâmico, po(i)ético, criativo, sem fim à vista, dá ele o nome de Poetas fortes.
Por sua vez, Harold Bloom, defendendo que os critérios para distinguir os autores da Grande Literatura não vêm das ideologias, mas do nível de dignidade estética em testemunhar e exprimir as mais profundas experiências da existência humana, atribui a esses escritores o nome de Autores  fortes.
E, reconhecendo que existiram em todos os tempos, desde os autores da epopeia de Gilgamesh e do Mahabharata, até aos da Bíblia e do Corão, procurou fixar o Canon dos maiores do Ocidente, de Dante e Shakespeare a Kafka e Brecht.

Outros críticos vêm procurando estabelecer cânones semelhantes noutras áreas artísticas, arquitectura, escultura, pintura, música e canto, cinema e desportos.
E a atribuição anual de Prémios Nobel de Literatura e distinções similares nos outros sectores de Arte, constitui um justo reconhecimento da função educacional de todos eles, como testemunhas vivas das mais profundas experiências da misteriosa vida dos seres humanos, sabendo que

“cada um tem em si galáxias de sonhos e de fantasmas, impulsos insaciados de desejos e de amores, de abismos de infelicidade, imensidades de indiferença gelada, abrasamentos de astros em fogo, explosões de ódio, desvarios débeis, clarões de lucidez, tempestades dementes” (citado por Edgar Morin).

D.            Os Mestres.

A pergunta, muitas vezes repetida, sobre quem é o melhor educador, a conduzir, a apontar o caminho, a dar o exemplo de como chegar à plena realização pessoal e, por extensão, comunitária e cósmica, obtém sempre a mesma resposta: é o que mais longe chegou, mais alto subiu, o Mais (lat. Magis), o Mestre (lat. Magister). E, por milhares de milhões de pessoas, são apontados como exemplos Confúcio e Lao Tseo na China, Buda e Mahawira na Índia, Zoroastro na Pérsia, Sócrates no Ocidente.

Começando pelo último, mais próximo de nós, impressiona a sua humildade (“não sei nada”, “sábios, sábios só os deuses”) e, na sequência da atitude questionadora dos que o precederam na Grécia (Pré-socráticos) sobre tudo o que nos rodeia (“que é, porque é tudo isto), a atitude de dobrar-se sobre si próprio (“conhece-te a ti mesmo”),  base da procura, do Amor da Sabedoria ou  Filo-Sofia.
É este elã tremendo, no sentido mais radical da fórmula bergsoniana, que a todos nos leva a tudo indagar, pesquisar, questionar, desde a criança de 4 anos (“e porquê?”), aos adolescentes alunos da disciplina de Filosofia e aos adultos doutorados em todas e quaisquer especialidades científicas que, na tradição inglesa de origem medieval, recebem o título de Ph. D. = Philosophiæ Doctor = Doutor no Amor da Sabedoria.
E é ainda a mesma força que leva a UNESCO, desde o seu Acto Constitutivo (1945) e o Projecto para a Filosofia (1946) até à Declaração de Paris para a Filosofia (1995), a promover o estudo da Filosofia e a colocá-la ao serviço da Educação, como disciplina central de todo o currículo da formação humana.

Mas a seguir, na sequência da declaração atribuída a Robert Kennedy:

 “Há homens que vêem as coisas que são e perguntam porquê?
Eu sonho coisas que nunca foram e pergunto porque não?”

os Mestres despertam-nos e arrastam-nos para irmos mais além da sabedoria, no caminho do sonho:
- “ I have a dream”, “eu tenho um sonho” (Luther King),
- “pelo sonho é que vamos” (Sebastião da Gama),
                   - e vamos todos nós, com toda a compreensão pelos indecisos,     enquanto

“Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer […]

Eles não sabem nem sonham
que o sonho comanda a vida,
que, sempre que um homem sonha,
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança”  (António Gedeão).

Deste modo, no Universo em que nos encontramos, tudo recebemos, sabemos que devemos, que devemos dar e assim completar-nos ou realizar-nos, os Mestres, espalhados por todos os continentes, são aqueles que descobriram o caminho a seguir, estão a caminhar, e nos vão dizendo coisas sobre essa experiência:
- que não há outra saída: “A vida é um país estrangeiro […]. Temos de ir. Para onde? Não sei, mas temos de ir” (Jack Kerouak);
 - que é tarde para recuar: “Não sei para onde vou, mas já vou a caminho” (Carl Sandburg );
- que temos companhia: “Não sei para onde vou, mas sei com quem vou” (Edite Stein);
- que a maneira de avançar é só uma: “El camino se hace caminando” (António Machado);
- e é só um,  também, o rumo a seguir: “Aproximar-nos do que está longínquo” (Martin Heidegger).
Afinal, trata-se de pormenores acerca do mesmo e único caminho pessoal apontado pelos grandes Mestres do Oriente:
- o Caminho do meio, na “Audição” (Hinduísmo) ou  na “Iluminação” (Budismo);
- Xintó ou o Caminho dos Deuses (Xintoismo);
- Tao ou, simplesmente, O Caminho (Taoismo).

E.      Os Profetas

Desde há milénios, mas desta vez ao redor da região do Crescente Fértil, a História lembra-nos também os Mestres Maiores que, chegados ao termo do Caminho, no Sinai, na Galileia ou no Deserto, afirmam terem-se encontrado com o Máximo e terem regressado com a missão de transmitirem aos Povos as palavras d’ Ele, recebendo, por isso, o nome de Profetas (os que falam em nome do Outro), entre os quais emergem Moisés, Jesus, Maomé.
A adesão que estes Profetas recebem hoje de cerca de metade dos 7000 milhões de seres humanos justifica plenamente a atribuição que lhes é feita do título de Educadores e do lugar que merecem na bibliografia educacional. O que também se torna válido, na devida proporção, para a lista de outros profetas que aparecem ao longo da História.
Com efeito, as tremendas dificuldades resultantes da crise actual, do ambiente à economia, à política e à cultura, reforçam essa atribuição prioritária, como sublinham Atlan, Goblot, Hannoun, Fullat, entre outros, tendo o primeiro referido a eventualidade de o nosso tempo se encontrar maduro para o “retorno dos profetas”. O que pode acontecer de muitas maneiras.

Entre os 26 Autores Fortes incluídos no Cânon Ocidental de H. Bloom, encontram-se Walt Witman e Fernando Pessoa.
O primeiro, ao distinguir três instâncias no seu eu: a Alma (soul) mais ligada à realidade natural, o Eu (self) que traduz a identidade de um americano agressivo, um dos duros do Oeste, e o Eu Verdadeiro ou Eu, Eu Mesmo (real me or me myself) que exprime o Eu na sua relação com o Mistério, reconhece que é na obediência a esta instância superior que pessoalmente se sente realizado.
Fernando Pessoa assimila a mesma distinção e, através de um percurso, que passa por criar a Escola interior dos seus heterónimos em que o Mestre é Alberto Caeiro, ver-se ele próprio aceite como Mestre pelos contemporâneos e confessar a Ofélia que o “meu destino […] está subordinado cada vez mais à obediência a Mestres que não permitem nem perdoam”, revela seguir sempre o seu Eu Superior, Profundo, Verdadeiro, o Eu, Eu mesmo e, assim, ter entrado na “divina consciência da minha missão”, ou seja, “ter uma acção sobre a humanidade, contribuir com todo o poder do meu esforço para a civilização”.
Estes simples exemplos, entre outros possíveis, revelam duas coisas: que os Mestres que seguem o caminho até ao fim e se encontram com o Outro, regressam normalmente cheios das palavras d’ Ele e com a missão de as transmitirem aos outros caminhantes; que essas palavras já não têm a ver            apenas com o caminho pessoal a trilhar por cada um, mas com o caminho a seguir pela inteira comunidade dos ouvintes.
É assim que o Caminho de que nos falam os Profetas passa agora a ser o Caminho dos Povos:
- o  Caminho do Êxodo, da Diáspora ou do Retorno (Judaísmo),
- o Caminho Certo no Deserto (oração Salat, no Islamismo),
- outra vez, simplesmente, O Caminho (primeiro nome histórico do Cristianismo).

F.       Os Místicos

Ao se aproximarem do fim do Caminho e se encontrarem, face a face, com o Mistério, os Grandes Mestres regressam a transmitirem-nos as Palavras d’ Ele, de maneira confusa e imperfeita (através de metáforas, alegorias, parémias, apólogos, parábolas) o que se compreende pela dificuldade em traduzir a Linguagem de Deus para a linguagem dos homens.
Mas deixam-nos também a impressão de, nesse contacto, terem ficado presos, perdidos, integrados no núcleo secreto do próprio Mistério. Caminharam como Mestres, regressaram como Profetas, tornaram-se Místicos.

Conscientes de estarmos a entrar num terreno extremamente delicado (em todos os tempos e lugares vêm proliferando “sociedades secretas” que, ao envolverem-se em mantos pretensamente relacionados com o mistério, permitem aos seus membros defender os próprios interesses, por vezes à custa da exploração dos outros seres humanos), é possível constatar que, em todas as etapas da evolução do sentimento religioso, deparamos com o fenómeno místico protagonizado por xamãs, gurus, rabinos, monges, sufís, roshis…
Também aqui, Fernando Pessoa, referindo-se às práticas de ascese no caminho das ” formas de educação do mal para o bem (não há educação de outra forma)”, balbucia coisas sobre o “misticismo que é ter o sentimento nítido de uma coisa que se não sabe o que é”, acrescentando que se acede a ele através do processo iniciático (néofito-adepto-mestre) e ainda que, “por não ser a iniciação em conhecimento mas uma vida”, esses privilegiados “não apenas apreenderão as palavras em que se exprimem, mas viverão por si próprios as suas vidas”, evidentemente ao nível do Eu Superior, Profundo, Verdadeiro, o Eu, Eu mesmo.

Trata-se de um processo em que as palavras falham, mas a vida cresce.
É assim que os grandes místicos, ao falarem deste encontro entre o humano e o divino, se apresentam pujantes de vida mas apenas capazes de balbuciar sobre ela: falam de união transformante, de comunhão crescente, de fusão total, como acontece com duas velas acesas que se juntam numa só chama, ou como a gota de água que cai e se dissolve no oceano, ou ainda, em termos caseiros antigos, como o fermento que leveda toda a massa ou, em termos científicos modernos, como um processo químico de diálise do ser humano no meio divino.
Nesta situação, as considerações iniciais com que iniciámos este texto sobre Questões de Metodologia (recebemos + sabemos que devemos + que devemos dar), mudam radicalmente de sentido na experiência dos Místicos: “nós recebemos porque Alguém nos dá, nós sabemos que devemos porque Alguém nos ilumina, nós devemos pagar, dar, porque Alguém espera por nós e de nós.
Em síntese, tudo nos acontece porque tudo nos vem do e dentro do Mistério que é o puro Dom, que é o verbo Amar.
Como um “fogo que arde sem se ver”, que gera em nós um “contentamento descontente”, talvez porque tudo é muito claro dentro da escuridão:

        “Bem eu sei a fonte que mana e corre,
        embora seja noite” ( São João da Cruz).